Título: Brasil desafina e mercado se inquieta
Autor: Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2011, Finanças, p. C2

O Brasil sabe a canção, mas desafina. Defende rigor fiscal sem indicação de que entregará o resultado prometido de superávit primário em 2010. Pratica uma meta de inflação que, no ano passado, ameaçou testar sua tolerância máxima. Preconiza o câmbio flutuante, apesar das intervenções prudenciais e operacionais das autoridades monetárias. Na saideira do governo Lula, a sintonia de alguns indicadores foi mais que comprometida, o que renovou a expectativa com compromissos e ações do governo Dilma. Mas como ele mal começou, por ora tem sido poupado de críticas quanto à composição da orquestra, a competência do coral e até a formação do regente.

A percepção de que o tripé da política econômica anda bambo não chega a despertar acaloradas discussões ou desconfiança precipitada, dado o estrago que a crise financeira internacional deflagrada há mais de dois anos ainda produz no mundo. Hoje, seria impróprio lamentar que o Brasil não pode ser comparado às grandes economias. Até porque, se isso fosse possível, o país estaria atolado num pântano de dívida soberana do qual seria improvável sair ileso.

Mas neste início de 2011 também é exagero garantir que o Brasil está 100%. E o foco do presidente do Banco Central Alexandre Tombini no comportamento adequado da inflação, com aval da presidente Dilma Rousseff, é emblemático. Com a inflação fora da linha, o mercado já cobra um preço, até modesto, por sua inquietação enquanto aguarda ação da autoridade monetária.

Pelo sim pelo não, os juros futuros seguem em alta

As indicações são de que o BC não será complacente com a inflação, mas essa também era a expectativa predominante no ano passado e que foi engessada pelo próprio BC que chegou a ver o cenário favorável no segundo semestre. Não sem polêmica. Portanto, pelo sim pelo não, os juros futuros seguem em alta, sinalizando mobilização do Comitê de Política Monetária do BC (Copom) em janeiro, março e abril.

"A curva de juros está embutindo Selic em alta de 0,50 ponto percentual na semana que vem, mas o mercado pode ficar mais dividido para as próximas reuniões do Copom", afirma Luiz Eduardo Portella, tesoureiro do Banco Modal, para quem o mercado deve embutir prêmios para os ajustes seguintes e com a perspectiva de ciclo completo de aumento de 2 pontos percentuais no ano. "O mercado está atento ao que se passa aqui e também no mundo, onde números melhores levam à reavaliações de expectativas com a retomada do crescimento. Isso pode levar o mercado a discutir nova alta de 0,75 ponto em março ou até um ciclo mais longo", acrescenta o tesoureiro.

É fato que o fôlego da inflação não surpreendeu ninguém, mas os dados de encerramento do ano surpreenderam, sim. E o que pode vir por aí não é alentador. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 5,91%. Só em dezembro, o índice ganhou 0,63% e pesquisa do Comitê de Acompanhamento Macroeconômico da Anbima já prevê aceleração do IPCA para 0,68% em janeiro e 0,75% em fevereiro )- trajetória incompatível com meta de 4,5% fixada para este ano.

Embora a Selic nominal tenha fechado o ano em 10,75%, ou efetiva de 9,77%, aquém do inicialmente previsto por alguns dos maiores bancos do país, o Brasil pode ser destronado da liderança do ranking internacional de maiores pagadores de juro real. E isso se deve mais à inflação, que só não é indiscutivelmente alta para os padrões nacionais, e menos à taxa de juro nominal. Em 2010, o juro real fechou em menos de 4%. A primeira semana do ano fechou com perspectiva de juro real para 2011 - resultante de projeções do IPCA 12 meses à frente e juro referente ao final de dezembro - a 6,49%. E essa margem cresce por incremento no juro e não pela crença de que a inflação vai arriar.

Os juros sobem. No pregão da BM&F ontem, o DI fevereiro de 2011 fechou a 10,87% ao ano antes do ajuste dos preços; o DI março de 2011, a 11,03%; o DI janeiro 2012, a 12,28; o DI janeiro de 2013, a 12,55% ao ano; e o DI janeiro de 2014, a 12,46%.

O dólar também avançou 0,11%, ontem, fechando a R$ 1,688 para venda, embalado por expectativa de que o governo poderá lançar novas medidas contra a valorização do real e a possibilidade de o Fundo Soberano do Brasil (FSB) operar no mercado à vista e derivativos de câmbio - decisão tomada em setembro mas publicada somente no Diário Oficial da União de ontem.

Sobre efeitos do recolhimento compulsório sobre posições vendidas de câmbio, o BC afirma, por meio da assessoria de imprensa, que o recolhimento não prejudica o exportador na antecipação de suas receitas de exportação. Essa antecipação se viabiliza no mercado físico de câmbio (conhecido como mercado à vista) mediante Adiantamento sobre Contratos de Câmbio (ACC/ACE), cuja taxa cambial é definida no momento da contratação, quando o exportador recebe os reais.

Angela Bittencourt é repórter especial