Título: Sinais preocupantes
Autor: Garcia, Márcio
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2011, Opinião, p. A11

Há sérias dúvidas sobre a capacidade de se reverter a política fiscal extremamente expansionista que marcou, sobretudo, os dois últimos anos do governo Lula. Impedir o aumento dos gastos públicos é sempre difícil, mas fazê-lo com quase a mesma equipe que empreendeu justamente o oposto no governo anterior é ainda mais problemático. Não obstante, as primeiras declarações do ministro da Fazenda foram positivas, apontando a necessidade de reverter a excessiva expansão fiscal que vinha ocorrendo. Para o bem do Brasil, torcemos por melhor desempenho do novo governo nessa área.

Infelizmente, declarações mais recentes trazem novas dúvidas quanto à política econômica. Em entrevista a "O Estado de S. Paulo" (2/1/2011), o secretário-executivo do Ministério da Fazenda (MF), Nelson Barbosa, comentou a contabilidade criativa usada na capitalização da Petrobras para gerar, ficticiamente, cerca de 1% do PIB de superávit primário adicional em 2010: "No caso da Petrobras, aconteceu uma receita, concentrada em 2010, por conta da capitalização. (...) Não houve concessão de grandes campos em 2007, 2008 e 2009. Essa receita de 2010, portanto, nada mais é do que uma receita acumulada de concessão de grandes campos que não foi feita antes. Em vez de ser distribuída ao longo de quatro anos, foi concentrada em 2010 (...)."

Ou o secretário-executivo não entendeu as críticas feitas, inclusive por mim (Valor, 17/9/2010), ao truque contábil realizado, ou, por falta de argumentos para rebatê-las, se fez de desentendido. As críticas não são ao fato de se usarem receitas de concessão como receita primária. Critica-se, sim, o fato de os recursos usados para pagamento de concessões serem provenientes, em última análise, de empréstimos do próprio Tesouro ao BNDES. Em outras palavras, o problema foi a mera passagem de recursos do "bolso direito" para o "bolso esquerdo" do Tesouro ter gerado mais de R$ 30 bilhões de superávit primário, tal como se a arrecadação tributária tivesse crescido ou os gastos fiscais tivessem caído nesse montante. Não augura bem para a credibilidade de nossas contas públicas que o secretário-executivo do MF considere como procedimento normal o recurso a truques contábeis dessa natureza para aumentar artificialmente o superávit primário.

Outra declaração preocupante foi feita pelo próprio ministro da Fazenda ao anunciar a autorização para a operação do Fundo Soberano (FSB). Uma das operações que o FSB poderá fazer será a compra de dólar futuro, via derivativo financeiro conhecido como swap cambial reverso. Muitos defendem que as compras de dólares realizadas pelo Banco Central (BC) no mercado à vista seriam mais eficientes em depreciar a taxa de câmbio caso fossem acompanhadas de compras no mercado futuro de câmbio. O problema é que compras de dólar futuro, tais como a acumulação de reservas cambiais, tendem a gerar pesados prejuízos. Segundo reportagem do Valor (11/1/2011), "questionado sobre se as operações com derivativos não embutem um risco de prejuízo para o FSB, Guido Mantega respondeu que o balanço das operações com swaps cambiais reversos pelo Banco Central é positivo. "É claro que qualquer operação tem algum tipo de risco e temos que minimizar o risco. Temos certeza de que não haverá uma valorização do real. Então, se não houver valorização cambial, e se fizermos operações de swap cambial reverso, não haverá perda. Pode até haver ganho como já houve em período recente", concluiu".

A declaração do ministro da Fazenda denota conhecimento imperfeito do modus operandi dos mercados de derivativos, podendo trazer prejuízos vultosos ao FSB. Para explicar o erro no raciocínio do ministro, recorramos a um exemplo. Suponha que o FSB realize, hoje, a compra de dólares futuros, vincendos no fim de 2011. O raciocínio do ministro é que, caso a taxa de câmbio no final do ano permaneça igual à atual, o FSB nada perderia. O que há de errado com tal raciocínio?

O erro do raciocínio é supor que o dólar futuro (o preço hoje de US$ 1 no final do ano) tenha trajetória integralmente determinada pelo dólar à vista. Na realidade, o dólar futuro é igual ao dólar à vista acrescido do diferencial de juros entre a data da negociação e o vencimento do contrato derivativo. Como a taxa de juros brasileira excede a do dólar, o dólar futuro é superior ao dólar à vista, configurando a situação conhecida como "contango", conforme nos ensina Keynes no Tratado sobre a Moeda.

O gráfico mostra um caso no qual um cenário análogo ao do ministro de fato ocorreu. No gráfico estão representadas as trajetórias do dólar à vista e dólar futuro para o contrato que venceu ao final de agosto de 2010. Fica claro que as duas séries convergiram e que a diferença entre ambas decresceu paulatinamente com a proximidade do vencimento. Na data assinalada (30/11/2009), a cotação do dólar à vista foi igual à taxa de câmbio no vencimento do contrato futuro (31/8/2010). No entanto, quem comprasse dólar futuro, em 30/11/2009, teria, ao final do contrato, o prejuízo assinalado no gráfico, uma vez que o dólar futuro custava, em 30/11/2009, mais caro do que o dólar à vista.

Para dimensionar o tamanho do prejuízo esperado que se teria atualmente, lanço mão das cotações de 10/01/2011. Caso o cenário de estabilidade da taxa de câmbio (em 1,691 R$/US$) proposto pelo ministro venha a se confirmar, o FSB, ao comprar por R$ 1,845 cada dólar futuro, terá um prejuízo de R$ 0,154 (1,845 - 1,691) por dólar futuro. O FSB só deixaria de ter prejuízo se a taxa de câmbio, ao final de 2011, fosse igual ou superior a 1,845 R$/US$, o preço hoje do dólar futuro. Ou seja, para cada US$ 1 bilhão de swaps reversos, espera-se, no cenário de estabilidade cambial, que o FSB perca R$ 154 milhões. Algum assessor competente, dentre os vários que há no MF, precisa explicar isto ao ministro para evitar prejuízos ao erário público!