Título: A dura vida dos pessimistas
Autor: Camba, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2011, Eu & Investimentos, p. D1

Depois de uma alta de mais de 82% do Ibovespa em 2009, fechando em 68.588 pontos, a maioria esmagadora dos analistas esbanjava otimismo no início de 2010 com relação ao potencial de valorização da bolsa no ano. As projeções chegavam até os 87 mil pontos, o que embutia 27% de ganho. No ano passado, porém, a bolsa terminou praticamente no zero a zero, com tímida alta de 1,04%.

A projeção fazia sentido, já que se esperava um bom crescimento econômico e um ano positivo para as commodities. Mas ficaram de lado as incertezas em relação ao cenário global, os efeitos da oferta pública da Petrobras e o fato de que o Ibovespa não estava exatamente uma pechincha após a alta do ano anterior. Esse é o exemplo mais recente da dificuldade do mercado em traçar cenários pessimistas.

Os motivos para tal resistência vão desde o fato de que existem mais instrumentos de mercado e uma facilidade maior para o investidor ganhar com a alta da bolsa até a atitude das pessoas de esperarem um retorno alto para compensar o risco também mais alto da renda variável. Outro fator é que a possibilidade de eventos negativos inesperados não é levada em conta nas estimativas. Há também os interesses comerciais das corretoras, que ganham dinheiro num mercado em ascensão, uma vez que os investidores tendem a fazer mais negócios com ações.

"A essência da bolsa é ganhar dinheiro na alta", diz o professor de finanças da ESPM-RJ e economista-chefe da Way Investimentos, Alexandre Espírito Santo. Os produtos mais difundidos são exatamente aqueles usados para se beneficiar da valorização, como a compra dos papéis à vista e as opções de compra (direito de comprar uma ação a um determinado preço em uma data futura). "A maior parte dos investidores não aprendeu ainda a ganhar na queda, prova disso é que as opções de venda não possuem liquidez", afirma o professor.

Faz sentido também o investidor e os próprios analistas esperarem a alta do mercado, já que ele nada mais é do que um reflexo das expectativas de um crescimento econômico no longo prazo. "A questão é que, no curto prazo, a economia pode passar por quedas, e é isso que a bolsa vai refletir no dia a dia", explica.

As estimativas para 2008 são talvez o exemplo mais emblemático da resistência dos profissionais em fazer prognósticos negativos. O Ibovespa havia subido 467% entre 2003 e 2007, fechando cinco anos consecutivos em alta, algo que nunca ocorrera na história do mercado brasileiro. Para completar o sinal de alerta, o cenário internacional já dava sinais de deterioração, com o surgimento dos problemas nas hipotecas americanas de alto risco no fim de 2007.

Mesmo com essa combinação de fatores que sugeria uma possível inversão de tendência, os analistas não hesitavam em fazer projeções ostensivamente otimistas para 2008. Chegavam a apontar um Ibovespa na casa dos 75 mil pontos no fim daquele ano, um ganho de 17,4%.

O fato de o Brasil ter se tornado grau de investimento no fim de abril só reforçou o otimismo de parte dos analistas. Em vez de sugerir a venda de ações, já que o Ibovespa chegava no recorde histórico, novamente revisaram para cima seus alvos para o fim do ano, para pelo menos 80 mil pontos, ainda que a situação nos EUA fosse delicada.

O resultado de tamanho otimismo foi uma flagrante decepção. Em setembro daquele ano, o banco americano Lehman Brothers quebrou e a crise se acentuou rapidamente, levando ao derretimento dos mercados. O Ibovespa terminou o ano em 37.550 pontos, com uma queda melancólica de 41,22%, a léguas de distância dos tais 80 mil pontos projetados.

As projeções para a bolsa são sempre muito influenciadas pelas estimativas de crescimento de lucro das companhias, observa o diretor de investimentos da Fundação Cesp, Jorge Simino. "Não me lembro de um ano em que os analistas esperavam queda nos resultados das empresas", diz. Com as projeções de lucros crescentes, chega-se também a indicadores como o de preço sobre lucro (P/L, que serve para dar uma ideia em quantos anos o investidor terá de volta o quanto aplicou na ação) bastante ambiciosos. Muitas vezes, porém, as apostas não se concretizam.

Dentro das estimativas de mercado entram também fatores difíceis de serem mensurados com precisão, como o fluxo de investimento estrangeiro para a bolsa e a situação econômica internacional. "Dependendo dessas variáveis, o cenário benigno pode ou não ocorrer e, como são difíceis de se quantificar, o mercado as negligencia na hora de fazer a conta", afirma Simino.

Mais do que tentar acertar um número exato do Ibovespa, o ideal seria definir intervalos conforme os vários cenários, atribuindo notas de acordo com a probabilidade daquilo se concretizar ou não. "Isso seria mais justo com o investidor do que tentar cravar um número para o índice."

Os analistas erram na dose de otimismo porque a tendência é reproduzir o que está acontecendo no mercado naquele momento e não cogitar uma mudança de movimento, diz o administrador de investimentos Fábio Colombo. "Como a bolsa subiu nos últimos anos, com raras exceções, os profissionais acreditam na continuidade dessa tendência", diz.

Ele lembra que os analistas também não se dão conta de que o mercado alterna momentos de otimismo e pessimismo, mas, no longo prazo, ele tende a convergir para um padrão histórico. Segundo Colombo, desde sua criação, em 1968, o Ibovespa possui um retorno médio real (descontada a inflação) de 9,2% ao ano. "Se o índice dá um ganho muito maior do que esse, é porque em algum momento deve cair, para voltar para sua média histórica."

O fato de a bolsa ser um investimento de risco mais alto faz com que se espere um retorno também maior, diz o gestor da RTI Gestão de Ativos Fábio Anderaos. "As pessoas acabam ficando com uma cabeça "altista" para ações, deixando os riscos em segundo plano." Na visão dele, um típico sinal de que o otimismo contagia inclusive os investidores é que a maior parte tem muito mais resistência em vender as ações do que comprá-las. "Todo mundo está sempre esperando que o papel suba."

De forma discreta, há quem aponte os interesses comerciais das corretoras como um dos fatores para que as projeções sejam mais otimistas. Como os investidores costumam negociar mais em momentos de alta, existe todo um esforço por parte das corretoras para mostrar um cenário com perspectivas de valorização. "Existe um conflito de interesses que precisa ser mitigado para que os clientes não sejam prejudicados com projeções que não correspondam à realidade", diz o diretor de uma corretora.