Título: Tesouro é contra a alta dos juros
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 29/07/2010, Economia, p. 22

Secretário alerta para os riscos de novos arrochos monetários por parte do Banco Central comprometerem o crescimento do país

Às vésperas de o Banco Central divulgar a ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) explicando as razões para o aumento da taxa básica de juros (Selic) de 10,25% para 10,75% ao ano, na semana passada, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, fez questão de marcar posição contrária ao arrocho. Para ele, é preciso ter muito cuidado com medidas que restrinjam o crescimento econômico, pois a acomodação da atividade no segundo trimestre do ano pode ter sido mais forte que o desejado, comprometendo os próximos meses. Segundo ele, a desaceleração exige atenção redobrada para evitar que a expansão da atividade fique abaixo do esperado. Pelas contas do Ministério da Fazenda, o Produto Interno Bruto (PIB) de 2010 avançará entre 6,5% e 7%.

Augustin reforçou a tese defendida pelos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento) de que o ciclo de ajuste monetário deve ser encerrado, sob pena de emperrar o crescimento do país. O incremento da economia está longe do superaquecimento, como alguns diziam. O que vemos é que um avanço não tão exuberante está acontecendo. Portanto, entendo que a atividade está no patamar que deveria estar e não devemos trabalhar com medidas para segurar mais a economia, afirmou.

Para reforçar sua posição, o secretário invocou os números das contas públicas em junho. O superavit primário do governo (economia para o pagamento de juros) somou R$ 631,5 milhões, ante um deficit primário de R$ 518 milhões em maio. No entender de Augustin, a melhora do resultado decorreu da queda nas despesas com pessoal em R$ 128,5 milhões, além do recuo de R$ 2,3 bilhões nos gastos com custeio (funcionamento da máquina) a maior parte referente a sentenças judiciais.

Investimentos Segundo o secretário, o resultado primário neutro de maio e junho deve se repetir em julho. A atividade vem menos aquecida, o que deve se confirmar na arrecadação de julho (que deve crescer menos). O superavit forte foi em abril. Maio e junho foram neutros e julho não deve ter grande impacto, mas esperamos que seja positivo, ressaltou. No acumulado do primeiro semestre, a economia feita pelo governo para o pagamento de juros somou R$ 24,8 bilhões, o equivalente a 1,46% do Produto Interno Bruto (PIB). Já os gastos com pessoal contabilizaram queda de 4,5%. As despesas com custeio da máquina, em contrapartida, aumentaram 7,8% de janeiro a junho, enquanto os custos de capital saltaram 51,2%.

Os investimentos, especificamente, avançaram 72% no ano, um recorde, segundo Augustin. Foi o maior avanço da série dos investimentos. E, provavelmente, os desembolsos atingirão um patamar histórico no ano, completou. As liberações totalizaram R$ 20,6 bilhões, dos quais R$ 14,9 bilhões referentes ao que o governo chama de restos a pagar. São obras contratadas em 2009, mas pagas efetivamente apenas neste ano. Quando considerado apenas o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os investimentos entre janeiro e junho totalizaram R$ 8,9 bilhões alta de 85% sobre o igual período no ano passado.

Emissão em reais Confiante nos bons resultados da economia e no entusiasmo dos investidores estrangeiros em relação ao país, o Tesouro Nacional poderá retomar, até o fim do ano, a emissão de títulos em reais no exterior. A preferência, porém, ainda é por papéis dolarizados. Neste ano, foram feitos dois lançamentos de títulos, a segunda delas encerrada ontem. Foram captados, nas operações, quase US$ 1,6 bilhão.

O número R$ 631,5 milhões Total da economia feita pelo governo em junho para o pagamento de juros da dívida

Produção industrial enfraquece

A produção industrial perdeu ritmo em junho e reforçou a expectativa de acomodação da atividade econômica no segundo trimestre do ano, conforme levantamento divulgado ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). De acordo com a sondagem, a produção no mês passado recuou de 54,9 para 51,8 pontos, em uma escala de 0 a 100, na qual valores próximos de 50 indicam estabilidade.

A pesquisa da instituição revelou ainda, segundo o gerente executivo da Unidade de Pesquisa da CNI, Renato da Fonseca, que não há descompasso entre a produção e o consumo. Desde janeiro, os estoques ficaram estáveis, um pouco abaixo do planejado, o que significa que a demanda não aumentou de forma surpreendente, destacou. O indicador de estoques em junho ficou em 49,2 pontos, segundo a sondagem. Em abril e maio, o mesmo índice registrou 48,7 e 49,7 pontos, respectivamente.

A utilização da capacidade instalada também corroborou a análise de que a indústria se acomodou. No mês passado, a UCI efetiva ficou em 48,4 pontos, o que denota proximidade à utilização usual para o período. Em São Paulo, que abriga o maior parque fabril do país, o nível de atividade encolheu 0,6% no mês passado.

Em relação ao segundo semestre, os empresários continuam otimistas, segundo a CNI, e estimam crescimento da demanda o índice registrou 63,5 pontos. Os indicadores que medem a expectativa de contratação de novos empregados e da compra de matérias-primas para a produção também são influenciados por este otimismo. Os dois índices somaram em junho 55,9 e 60,9 pontos, respectivamente. A confiança, no entanto, continua focada no mercado interno, uma vez que as projeções para o aumento das exportações seguem próximas ao centro da escala, em 52,2 pontos, já que as economias mais ricas do mundo ainda se debatem para sair da recessão.

A CNI estimou que os próximos meses devem ser marcados pela manutenção do crescimento moderado, em ritmo menor do que o do primeiro trimestre. Fonseca, no entanto, voltou a destacar que o principal vilão para o setor produtivo continuam sendo os juros altos e criticou a equipe econômica do governo. O problema é que a política fiscal não cumpre o seu papel, de conter os gastos e deixar espaço para o consumo crescer sem inflação, afirmou. Para ele, a falta de coordenação entre a política fiscal e a monetária colocam o país em uma armadilha. O BC sobe juros para frear a demanda, mas trava o investimento e, consequentemente, reduz as condições futuras de atender a demanda, exigindo mais juros para controlar a inflação, avaliou. (GC)

Fitch projeta expansão de 7% A despeito dos sinais de acomodação no nível de atividade, a Fitch, uma das três mais importantes agências de classificação de risco do mundo, aumentou a previsão de crescimento econômico brasileiro neste ano de 5,5% para 7%. Expectativas favoráveis para corporações de mercados emergentes poderão ser temperadas pela evolução dos preços das commodities, bem como pelas taxas de crescimento nos mercados em desenvolvimento, assinalaram os economistas da empresa no relatório Perspectivas Econômicas Globais, divulgado ontem. As estimativas para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) da Rússia e da Índia também subiram de 4,5% para 5% e de 8% para 8,5%, respectivamente. A projeção para a China foi mantida em 9,3%. Segundo o documento, 86% das corporações da América Latina e 81% da Ásia têm perspectiva estável. Na Europa Central, no Leste Europeu, no Oriente Médio e na África, a proporção é de 75%.