Título: Gasto federal vai estimular menos a demanda
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 17/01/2011, Brasil, p. A5

Depois da alta de mais de 10% acima da inflação em 2010, os gastos não financeiros do governo federal devem avançar a um ritmo mais moderado neste ano. As previsões apontam para um aumento de 3% a 7% em termos reais para o conjunto dessas despesas (como pessoal, aposentadorias, custeio da máquina, Bolsa Família e investimentos), num cenário de reajuste mais modesto do salário mínimo e da reiterada disposição do governo em controlar a política fiscal, depois de dois anos de forte expansão dos gastos. A condução mais austera das contas públicas deve estimular menos a demanda, embora não a ponto de evitar a retomada da alta do juros - na melhor das hipóteses, tende a limitar a intensidade e extensão do aperto monetário, dizem analistas.

O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, calcula que, a cada 1 ponto percentual de aumento real (descontada a inflação) das despesas da União, o Produto Interno Bruto (PIB) cresce 0,25 ponto, levando em conta os efeitos diretos e indiretos sobre a economia. Para 2011, Borges trabalha com alta real de 5% dos gastos federais, o que significaria uma expansão do PIB de 1,2 ponto percentual por conta dos dispêndios do governo. Se concretizada, será uma contribuição bem menor que a de 2010. Com base numa estimativa de avanço real de 11% dos gastos no ano passado (o número de dezembro ainda não foi divulgado), Borges diz que o PIB de 2010 cresceu 2,75 pontos devido ao aumento das despesas da União.

A projeção de Borges de uma alta real de 5% para os gastos não financeiros da União tem como principais premissas um salário mínimo de R$ 545 e um bloqueio de R$ 30 bilhões das despesas do orçamento aprovado pelo Congresso. O reajuste menos expressivo do piso salarial ajuda a segurar as despesas com benefícios previdenciários, já que dois terços deles são corrigidos pelo mínimo. Também não se esperam aumentos significativos para o funcionalismo, depois dos reajustes generosos dos últimos anos. E o ritmo de alta do investimento, que subiu quase 50% de janeiro a novembro de 2010, deve perder fôlego.

Se o contingenciamento chegar a R$ 40 bilhões, a alta real dos gastos pode ficar em 3%, diz Borges. Nesse caso, segundo ele, a política fiscal poderia ser considerada contracionista, já que as despesas cresceriam a uma taxa inferior à do PIB. Borges projeta um crescimento da economia de 4,3% neste ano, abaixo dos 7,6% estimados para 2010.

O economista Maurício Molan, do Santander, tem uma visão mais pessimista. Para ele, os gastos federais vão sofrer alguma desaceleração neste ano, mas para a casa de 7% em termos reais, mesmo com um corte de R$ 40 bilhões no orçamento. Segundo Molan, é difícil acreditar na implementação de um ajuste mais drástico depois de dois anos de forte expansão de gastos. "O mercado vai querer ver a execução orçamentária durante alguns meses antes de apostar num aperto fiscal expressivo."

A velocidade de aumento de despesas em 2010, um ano eleitoral, impressiona também por causa da base de comparação elevada. Em 2009, em parte como reação à crise global e em parte por aumentos de dispêndios já contratados, como reajustes para o funcionalismo, os gastos não financeiros da União tinham aumentado 9,7%, já descontada a inflação. De janeiro a novembro de 2010, a alta real foi de 10,6% sobre o mesmo período do ano anterior, numa conta da Tendências Consultoria Integrada que exclui o impacto da operação de capitalização da Petrobras.

No segundo semestre, houve uma desaceleração do ritmo de gastos. Eles cresceram 12,5% de janeiro a junho e 8,7% entre julho e novembro, em termos reais. Segundo Borges, as restrições da lei à contratação de novos gastos 90 dias antes das eleições são o principal motivo para o crescimento mais moderado a partir de julho.

Por ter uma visão mais otimista sobre a política fiscal, Borges projeta um ciclo curto e pouco intenso de aumento dos juros, começando na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana. Ele aposta em duas altas de 0,5 ponto percentual, uma em janeiro e outra em março, o que levaria a Selic para 11,75% ao ano. "Também acredito que o Banco Central deverá usar mais medidas de controle do crédito, na linha das que foram anunciadas em dezembro."

Já Molan acredita em alta mais forte da Selic, com a taxa atingindo 13% em meados do ano. Além das dúvidas quanto à política fiscal, ele aponta a perda do controle das expectativas de inflação e os danos à credibilidade da política monetária como motivos para uma elevação mais expressiva dos juros.

O economista André Sacconato, da Tendências, projeta alta real de 3,3% dos gastos não financeiros em 2011, bem mais fraca que a do ano passado, mas ainda assim insuficiente para que a meta de superávit primário de 3,1% do PIB seja cumprida. Para ele, o esforço fiscal para pagar juros ficará em 2,6% do PIB, um número próximo aos 2,5% estimados por Molan. Borges ainda finaliza a sua projeção, mas acredita que o superávit primário pode ficar bem próximo da meta.