Título: Inflação não dá trégua e eleva pressão no Copom
Autor: Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2011, Finanças, p. C2

A inflação atormenta o mercado e continua afetando as expectativas de ciclo de aperto monetário. Que o aperto começa amanhã, ninguém duvida. Mas há dúvida sobre sua evolução e duração. A tragédia provocada pela chuva, com foco no Rio de Janeiro, ganha destaque há uma semana. Mas a chuva, incessante em praticamente todo o território nacional, também traz inquietação sobre o comportamento dos preços dos alimentos, o que pesa sobre os juros e desloca a curva traçada na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F). Os juros nominais avançam. As taxas dos prazos mais longos retomam o nível de dois anos atrás.

Na semana passada, o mercado sinalizava aumento do juro básico (Selic) de 0,50 ponto percentual pelo Comitê de Política Monetária (Copom) nesta quarta-feira. As instituições ainda não cravam alta inicial em 2011 de 0,75 ponto, mas já colocam prêmio na curva e uma aceleração do aperto em março não é descartada. Para o ciclo total de ajuste da Selic, a pesquisa Focus segue apontando alta de 1,50 ponto. Os juros futuros já carregam cerca de 2,30 pontos.

As expectativas de inflação não estão contidas e não serão rapidamente contidas, enquanto o mercado não estiver convencido de que o BC agirá firmemente com o instrumento juro para combater o desvio dos preços. Se a inflação não dá trégua, o mercado espera ação contundente do Copom. Mas se a ação do Copom não é interpretada dessa forma, os juros mais longos tendem a esticar cada vez mais.

O Índice Geral de Preços - 10 (IGP-10) em janeiro, divulgado ontem pela Fundação Getúlio Vargas, desacelerou para 0,49%, após avançar 1,27% em dezembro. A maioria do mercado esperava essa variação, mas os juros continuaram subindo. Na pesquisa Focus os prognósticos seguem em alta. A mediana de IPCA para 2011 passou a 5,42%. E, para os próximos doze meses, a 5,47%. Este avanço deu gás para os juros. O swap prefixado com prazo de 360 dias passou a rondar 12,40%. Este patamar é o maior visto desde o final de 2008 e o necessário para acomodar a inflação e garantir juro real de 6,5 - parâmetro de juro neutro no país. A taxa neutra é definida como a taxa de juros consistente com o crescimento potencial da economia e inflação estável.

"Olhar a chuva quando se pensa em inflação é algo menor", explica Fábio Silveira, especialista em preços da RC Consultores para quem vários fatores de fôlego mais forte estão afetando a inflação doméstica. "As chuvas afetam especialmente os preços dos hortifrútis. Produtos de ciclo curto de vida. Os efeitos das chuvas têm caráter episódico. Sem dúvida, darão mais dor de cabeça ao BC. Mas a pressão vinda das commodities internacionais, em elevação desde meados de 2010, é certamente preocupante."

Silveira lembra que as commodities já indicaram estabilização em nos últimos meses, mas a tendência é claramente de alta. "Petróleo, cobre, açúcar e café, por exemplo, são produtos cujos preços atingiram níveis recordes e esquizofrênicos. É difícil enxergar adiante. É fato que a pressão das commodities tem foco no crescimento asiático e desastres naturais, mas ela está muito ligada à enorme liquidez desses mercados. Não há desastre ou crescimento que explique tamanha alta de preços. E a consequência todos sabemos que mais inflação global."

O especialista da RC Consultores pondera que a inflação de custos está levando à escalada de índices no mundo inteiro e que a grande preocupação é a alta das matérias-primas. "Nunca se viu nada nessa velocidade e duração. O movimento é inédito e está chegando aos índices de preços ao produtor. Os índices ao consumidor ainda não foram contaminados porque a economia mundial está debilitada. Mas as pressões chegarão ao consumidor e será interessante acompanhar o comportamento do Federal Reserve (banco central americano) daqui a seis meses. Qual será o destino do juro? De novembro para dezembro do ano passado, os preços ao produtor nos Estados Unidos subiram de 0,77% para 1,10%. Os preços ao consumidor fecharam dezembro em alta de 0,50%. Isso já é quase uma inflação brasileira", diz Silveira.

O petróleo Brent, por exemplo, está hoje, em média, 22% acima do observado em janeiro de 2010. Em relação a 2009, relata Fábio Silveira, o petróleo subiu 110%. "Em 24 meses, o preço do petróleo dobrou e dá ideia do choque de custos que as cadeias produtivas vêm absorvendo. É possível afirmar que essa pressão ainda não chegou a ser incorporado plenamente às planilhas de custo das empresas ou às prateleiras dos supermercados."

O BC vem dando atenção às commodities. No Relatório de Inflação do quarto trimestre de 2010, a autoridade monetária apresentou o Índice Commodities Brasil (IC-Br) que agrega indicadores de Agropecuária, Metal e Energia. Em dezembro, o BC alertou o mercado para a relevância desse indicador para o entendimento do processo de repasse dos preços das commodities à inflação no Brasil. "A trajetória recente do indicador ratifica a visão de que houve contribuição significativa, nos últimos meses, da elevação dos preços das commodities para a aceleração do IPCA", explicou o BC, acrescentando que os exercícios [com o indicador] sugerem que o processo de repasse se esgota por volta do quinto mês.

Economistas ponderam que esse "esgotamento" ocorre, porém, se os preços das commodities estabilizarem ou tiveram altas pouco relevantes. Não é o caso, ainda. Em dezembro, último dado divulgado pelo BC, o IC-Br subiu 5,79% frente a novembro e 35,37% em 2010, na comparação com o ano anterior. Ontem, os contratos de Depósito Interfinanceiros (DI) subiram. Antes do ajuste de preços, o DI fevereiro de 2011 era cotado a 11,03%; o DI março, a 11,11%; e o DI janeiro de 2012, a 12,40%. O dólar caiu 0,11% e fechou a R$ 1,683 na venda.

Angela Bittencourt é repórter especial