Título: EUA querem Brasil na guerra à coca boliviana
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 20/01/2011, Internacional, p. A9
Os EUA querem transferir para o Brasil parte dos custos da luta contra o narcotráfico na Bolívia, conforme disse ao Valor uma autoridade do governo americano.
Pressionado por um aperto orçamentário e por uma relação conturbada com o governo Evo Morales, Washington planeja diminuir os recursos que desde os anos 80 vem destinando a autoridades bolivianas para o combate à produção de cocaína. A Bolívia é um dos três países que mais cultivam coca em todo o mundo e um dos produtores da droga que têm na folha seu principal princípio ativo. A maior parte da cocaína boliviana vai para o Brasil.
A intenção americana coincide com a disposição do governo de Dilma Rousseff de se envolver mais diretamente nas ações contra o narcotráfico em países vizinhos. Há duas semanas, o novo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que "se for necessário que subsidiemos alguma coisa, temos que fazê-lo, nos limites da lei".
Washington cobre parte dos custos das forças bolivianas que atuam no combate ao narcotráfico. A ajuda envolve pagamento de uniformes, combustível e manutenção de veículos, de operações de erradicação, capacitação de promotores e juízes. Até recentemente cobria também um complemento salarial a oficiais mais bem treinados.
O orçamento americano para o combate à produção de drogas e ao tráfico na Bolívia e também na Colômbia e Peru, outros grandes produtores da folha e da droga, já vêm caindo e deve diminuir novamente este ano.
No caso boliviano, para onde os EUA enviaram US$ 47,7 milhões para luta contra as drogas em 2007, a ajuda deve cair para US$ 32 milhões em 2011. Em 2001, pico da ajuda americana, a Bolívia recebeu US$ 122,9 milhões para ações contra drogas.
Na avaliação em Washington, não há nenhum outro país, além do Brasil, capaz hoje de fornecer os recursos que a Bolívia necessita para manter as operações e a estrutura contra o narcotráfico. Nem mesmo países da União Europeia - que contribuem de maneira mais institucional - estariam dispostos a se envolver em financiamento de ações de policiais na Bolívia.
Para os EUA, o país não é uma prioridade porque cerca de 95% da cocaína apreendida em solo americano vem da Colômbia. A droga boliviana flagrada nos EUA se limita a 1%. No entanto, por ser o Brasil o destino da maior parte da droga que sai da Bolívia, parece lógico aos americanos, segundo apurou a reportagem, que Brasília tenha uma maior participação no financiamento das operações. Washington, no entanto, planeja manter suas contribuições ao país, ainda que em um volume menor.
A relação dos EUA com a Bolívia é difícil. Morales expulsou o embaixador americano em 2008 sob a acusação de que ele estava ajudando a articulação da oposição. No mesmo ano, expulsou Drug Enforcement Administration (DEA), que mantinha cerca de 40 pessoas no país. Os oficiais da agência se envolviam diretamente nas operações contra traficantes e cultivos de coca em áreas ilegais na Bolívia e pagavam até informantes dos policiais bolivianos. A ajuda americana contra as drogas continuou via outras agências oficiais.
Autoridades americanas conversaram recentemente em La Paz com autoridades do Brasil sobre o trabalho que os EUA vêm desempenhando na Bolívia na última década, especialmente na sua relação com a polícia do país. A intenção, segundo apurou a reportagem, é evitar nessa fase ainda inicial de conversações que as eventuais novas atividades do Brasil na luta contra as drogas na Bolívia sejam coincidentes com as que os oficiais americanos continuam tendo.
O Brasil coopera há alguns anos com autoridades bolivianas na questão do narcotráfico, mas os acordos têm se concentrado em ajuda em treinamento e capacitação e trocas de informações de inteligência. Mas para atender às expectativas americanas de maior envolvimento na Bolívia, inclusive com financiamento, o Brasil poderá enfrentar dificuldades do ponto de vista constitucional ou político. Quatro helicópteros que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu há mais de um ano doar à Bolívia não chegaram porque o Congresso ainda não deu aval para a operação. Cobrir parte dos gastos anuais da polícia boliviana talvez seja ainda mais complicado.
O governo Morales vem destinando mais recursos próprios para o combate aos plantios de coca em áreas ilegais e na destruição de laboratórios de cocaína. Mas admite que precisa de apoio externo e dá boas vindas à intenção brasileira. "Os Estados afetados pelo narcotráfico não são capazes de enfrentar sozinhos esse flagelo. Vimos que há uma maior decisão do Brasil de acompanhar o esforço do Estado boliviano. Entendemos que vamos receber uma ajuda muito boa", disse o comandante geral da polícia, o general Oscar Nina.