Título: Por que o mercado de trabalho está tão aquecido?
Autor: Arbache, Jorge
Fonte: Valor Econômico, 20/01/2011, Opinião, p. A10

Em novembro de 2010, a taxa de desemprego foi de 5,7%, o menor nível desde o início da série histórica. Nos primeiros anos da década de 2000, 38% dos desempregados precisavam de sete ou mais meses para encontrar um trabalho; em 2010, essa proporção havia caído para 25%. O rendimento das pessoas ocupadas, já descontada a inflação, saltou de R$ 1.085, em 2001, para R$ 1.445, em 2010, um aumento real de 33%. Essas estatísticas dão sustento e reforçam a percepção cada vez mais comum de que o mercado de trabalho brasileiro está bastante aquecido.

São ao menos três as fontes do aquecimento do mercado de trabalho. A primeira é a aceleração da atividade econômica e a confiança na economia, que trazem consigo a geração de mais empregos. Entre 2000 e 2003, período em que a economia cresceu em média 2,3% ao ano, foram criados em média 664 mil novos postos de trabalho formais por ano; entre 2007 e 2010, quando o crescimento médio havia saltado para 4,6%, foram criados 1,61 milhão de novos postos de trabalho formais por ano. O crescimento econômico melhorou também a qualidade do emprego, já que a maioria das novas vagas foi aberta no setor formal da economia.

A segunda fonte está associada à mudança na estrutura da economia em favor do setor de serviços, que é muito mais intensivo em trabalho que os demais setores. Em 1980, o setor de serviços respondia por 45% do Produto Interno Bruto (PIB); mas, em 2009, ele já respondia por 69%. Já a indústria (descontada a mineração) e a agricultura, passaram de 34% e 11%, em 1980, para apenas 15% e 6%, em 2009.

A terceira e mais importante fonte de explicação do aquecimento do mercado de trabalho está associada à taxa de crescimento populacional, que passou de 1,8%, em 1990, para apenas 0,9%, em 2010, uma queda substancial para um período muito curto de tempo. A mudança na estrutura etária da população decorrente dessa transformação demográfica está alterando o tamanho da parcela da população em idade para trabalhar na população total, conhecida como população em idade ativa (PIA), a qual é constituída por indivíduos entre 15 e 60 anos.

A PIA está crescendo ainda, mas ela cresce a taxas cada vez menores. De fato, a taxa de crescimento da PIA em 2010 foi três vezes menor que a de em 2002. Como consequência, a parcela da população em idade para trabalhar está aumentando mais lentamente.

Esses fatores, juntos, elevam o poder de barganha dos trabalhadores e ajudam a explicar as melhores condições de trabalho, melhores salários e a queda do desemprego.

Efeitos adversos podem ser mitigados com maior produtividade, reformas trabalhistas e previdenciárias.

Se, de um lado, o superaquecimento do mercado de trabalho tem óbvios benefícios para os trabalhadores que dele se beneficiam diretamente, ele tem também consequências não tão favoráveis. Uma delas é seu efeito para os custos de produção e para a competitividade das empresas. A relação câmbio efetivo-salário, que é um indicador utilizado para medir os efeitos dos custos do trabalho na competitividade das exportações, registra crescente valorização, o que significa perda de competitividade dos produtos brasileiros. Um terço da valorização observada nesse indicador entre 2000 e 2010 pode ser explicado pela elevação dos salários.

A perda de competitividade é danosa para o país, mas é especialmente problemática para o setor manufatureiro, que concorre diretamente com países em que os custos do trabalho vêm aumentando mais lentamente e/ou em que os salários médios são menores que no Brasil, como China e Índia.

Outra consequência desfavorável do superaquecimento do mercado de trabalho é o aumento dos preços para o consumidor decorrente da elevação dos custos do trabalho. Segundo o IBGE, entre os campeões de aumentos de preços estão os serviços intensivos em trabalho que não sofrem concorrência internacional, como mão de obra para pequenos reparos, empregado doméstico, cabeleireiro, manicure e educação.

A elevação dos salários reais não teria efeitos adversos para a competitividade e para os preços se, e somente se, ela fosse acompanhada de aumento compensatório da produtividade do trabalho. Mas, infelizmente, a produtividade vem aumentando bem mais modestamente no Brasil do que em outros países emergentes, sobretudo a China. Entre 2000 e 2009, a produtividade no Brasil cresceu em média 0,4% ao ano, enquanto na China ela cresceu 5,2%.

Para mitigar os efeitos adversos da dinâmica demográfica no mercado de trabalho e no poder de compra do trabalhador, será preciso acelerar bastante a produtividade do trabalho e introduzir reformas trabalhistas e previdenciárias.

O aumento da produtividade do trabalho requer a incorporação de novas tecnologias, melhoria da qualidade da escola e dos cursos de treinamento profissional, melhoria dos serviços públicos e da infraestrutura urbana, de logística e de apoio à produção, encorajamento à realocação de recursos e investimentos em setores de mais alta produtividade e valor adicionado e incentivo à meritocracia.

A flexibilização da legislação trabalhista será importante para encorajar mais pessoas a participarem do mercado de trabalho, incluindo os jovens, mulheres e os já aposentados que queiram voltar a trabalhar. A reforma da legislação previdenciária será importante para inibir que as pessoas se aposentem tão prematuramente.

A PIA continuará aumentando, mas cada vez mais lentamente. Por volta de 2020, a população em idade ativa começará a declinar, elevando ainda mais a pressão no mercado de trabalho. Por isso, o mercado de trabalho brasileiro deverá continuar aquecido nos próximos anos, mesmo que a economia cresça a taxa mais modesta que a de 2010. Nesse contexto, a produtividade terá função ainda mais crítica para conter a inflação de custos, garantir o poder de compra dos salários e viabilizar as ambições de crescimento rápido e sustentável do Brasil.