Título: O difícil debate do salário mínimo
Autor: Almeida, Mansueto
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2011, Opinião, p. A13

Neste começo de mandato há um grande debate para conciliar as declarações iniciais da nova presidente, que foram aplaudidas por todos, com as primeiras ações do seu governo.

No discurso de posse, a presidente Dilma Rousseff falou que "a luta mais obstinada do meu governo será pela erradicação da pobreza extrema e a criação de oportunidades para todos" e que "a superação da miséria exige prioridade na sustentação de um longo ciclo de crescimento. É com crescimento que serão gerados os empregos necessários para as atuais e as novas gerações". Será que a melhor forma para se alcançar esses objetivos é a continuidade da política de valorização real do salário mínimo?

O governo fixou um salário mínimo de R$ 540,00 não por maldade, mas por saber que, no contexto atual, não há como ir muito além desse valor pelo risco fiscal e impacto inflacionário. Há ainda neste debate outras considerações. Em livro publicado pelo Ipea, em 2007, o economista Ricardo Paes de Barros mostrou que um aumento do Bolsa Família é muito mais efetivo para reduzir a pobreza e a desigualdade de renda do que um aumento correspondente do salário mínimo. No caso da pobreza e extrema pobreza, Paes de Barros mostra que o Bolsa Família é 2,4 vezes mais efetivo que o salário mínimo para elevar a renda dos 40% mais pobres, quase cinco vezes mais efetivo para elevar a renda dos 20% mais pobres e cerca de dez vezes mais efetivo para elevar a renda dos 10% mais pobres. Em relação à desigualdade de renda, aumentos do Bolsa Família concentram-se na renda dos 40% mais pobres, enquanto aumentos do salário mínimo impactam mais aquelas famílias no meio da distribuição de renda. Assim, aumentos do Bolsa Família são também mais efetivos que aumentos do salário mínimo para reduzir a desigualdade de renda.

As razões para esse maior efeito do Bolsa Família na redução da desigualdade e da pobreza são simples. Primeiro, os trabalhadores formais e informais que ganham salário mínimo ou valores próximo ao mínimo não pertencem as famílias mais pobres. Apenas 15% desses trabalhadores se encontram entre os 20% mais pobres. Segundo, apesar de o salário mínimo ser o piso da previdência, apenas 15% dos idosos brasileiros, segundo Paes de Barros, vivem em famílias pobres, ao contrário de 60% das crianças que vivem nessas famílias. Assim, programas de transferência de renda com o foco na criança, como o Bolsa Família, são mais efetivos para redução de pobreza do que aumentos do salário mínimo.

Do ponto de vista fiscal, não há o que discutir. Segundo projeções oficiais do governo, cada R$ 1 de aumento do salário mínimo ocasiona um gasto fiscal adicional (líquido da receita previdenciária adicional) de R$ 286,4 milhões. Assim, um aumento adicional de R$ 40 do salário mínimo de R$ 540 para R$ 580, como quer a Força Sindical, traz um impacto fiscal adicional de R$ 11,5 bilhões. No caso do Bolsa Família, que tem um benefício básico de R$ 68 e atende cerca de 12 milhões de famílias, um aumento correspondente de R$ 40 traria um impacto fiscal anual de R$ 5,7 bilhões, metade do impacto fiscal do aumento correspondente do mínimo.

Se a preocupação maior do governo for com a redução das desigualdades e redução de pobreza, aumentos do Bolsa Família são mais efetivos que aumentos do mínimo no curto prazo e, no médio prazo, os benefícios dos aumentos do salário mínimo devem ser contrapostos aos benefícios de maiores investimentos em educação. Sabe-se que, no Brasil, mais importante para a redução das desigualdades desde os anos de 1990 não foi nem o aumento das transferências de renda nem tão pouco os aumentos do salário mínimo, mas o crescimento real da renda do trabalho que reflete, entre outras coisas, o esforço da universalização da educação básica na década de 90, como mostra o economista Marcelo Neri em publicação recente da OCDE. O próprio Ipea, no Comunicado da Presidência nº 63, mostra, também, que a renda do trabalho e não as transferências de renda foi o fator mais importante para explicar a queda da desigualdade de renda verificada de 1995 a 2009.

O maior desafio hoje é garantir o crescimento econômico e o dinamismo do mercado de trabalho, o que exigirá o aumento do investimento público. Além do mais, como o mercado de trabalho está aquecido, ganhos de renda resultarão da lei da oferta e da procura, não sendo necessário um papel mais ativo do governo na fixação do salário mínimo que, por sinal, parece ter pouco efeito na determinação dos demais rendimentos do mercado de trabalho formal.

O debate em relação ao salário mínimo talvez seja o momento ideal para que o novo governo melhore sua comunicação com a sociedade e mostre os prós e contras da politica de valorização real do mínimo. Infelizmente, não há como continuar com essa política, aumentar os gastos sociais, investir mais em educação e saúde, aumentar o investimento público e ainda reduzir a carga tributária. Esse equilíbrio desejado por todos simplesmente não existe e será necessário fazermos escolhas.

Mansueto Almeida - é técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).