Título: Sozinho, BC entra em campo contra inflação
Autor: Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2011, Finanças, p. C2

O Banco Central (BC) entrou em campo contra a inflação, mas joga sozinho. Outros titulares do "timão" têm, no limite, 40 dias para emplacar um gol. Esse é o tempo que o governo dispõe para tomar decisões sobre a política fiscal até a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que, no início de março, voltará a reavaliar a política de juros em curso e seu poder de gerenciar as expectativas de inflação. Para lá de comprometidas neste começo de ano.

A elevação do juro básico (Selic) em 0,50 ponto percentual, na quarta-feira, confirmou o esperado e reforçou, por ora, a projeção majoritária de ciclo de alta de 1,50 ponto da Selic que pode chegar a 12,25% no fim do ano. Mas a persistência desse palpite não está garantida. A pesquisa Focus, divulgada semanalmente pelo BC, mostra revisões consecutivas do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), para cima, há semanas. Uma outra pesquisa, realizada periodicamente pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), confirma essa trajetória da taxa oficial de inflação e também do Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) --ambos incorporados aos cálculos de taxas de retorno de títulos públicos federais.

O Comitê de Acompanhamento Macroeconômico da Anbima divulgou, nos últimos dias, estimativas para o IPCA e para o IGP-M em janeiro e fevereiro. As projeções médias anualizadas do primeiro bimestre apontam para variações ao redor de 9%. No caso do IPCA, essa indicação é de 8,9%; para o IGP-M, 9,2%. É certo que a anualização dos dados aponta resultados exagerados, mas dá uma ideia da temperatura das avaliação do mercado neste ínício de campeonato. É certo também que a evolução da Selic ao longo do ano será compatível sobretudo com o grau de mobilização do governo para o ajuste fiscal.

Na quarta-feira, o Copom foi claro quanto ao início do ciclo de alta do juro, combinado a ações prudenciais, para a convergência da inflação à trajetória de metas. Essa sinalização ajudou a frear prognósticos, no mercado futuro de juros, de que a alta da Selic poderia ser acelerada já na próxima reunião do colegiado em março -mês que promete movimento do início ao fim e tem caráter emblemático para as contas públicas. Em março, o governo avalia o desempenho das contas no primeiro bimestre e edita um decreto, o chamado decreto de contingenciamento, que condiciona a realização de certas despesas às receitas e outros compromissos, inclusive metas fiscais e respeitadas despesas obrigatórias nos termos da lei, como preveem a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Focada no comunicado do Copom, a LCA Consultores avalia que a necessidade de aumento da Selic pode diminuir em decorrência da adoção de medidas macroprudenciais. Em relatório, a consultoria comenta que o Copom deu destaque a essas medidas que ainda deverão ter seus efeitos notados na atividade por meio, principalmente, do canal de crédito. "De acordo com nossas estimativas, as medidas tomadas equivalem a uma alta de 0,75 ponto percentual da Selic. Tal menção [pelo Copom] pode ser interpretada como uma indicação de que a alta necessária para a convergência da inflação será menor do que em outros momentos", afirma a LCA que lembra o fato desse tema estar sendo debatido pelo BC desde o ano passado, argumentando sobre a eficiência da política monetária e a queda do juro real neutro.

O Itaú Unibanco ressaltou, também em relatório, que o comunicado do Copom deixou claro que as medidas macroprudenciais anunciadas no início de dezembro são complementares à taxa de juros, e representam, portanto, um instrumento do qual o BC passa a lançar mão na tarefa de reduzir a liquidez da economia e combater a alta da inflação. "Nossa expectativa", diz o banco, "é que o processo de aperto monetário continue com mais duas elevações de 0,50 pontos percentuais na taxa de juros (totalizando 1,50 ponto) o que, aliado a novas medidas macroprudenciais e a um ajuste fiscal que leve a uma importante desaceleração do gasto público neste ano, deve fazer com que a inflação convirja gradualmente para o centro da meta de 4,5% em 2012".

O Itaú Unibanco pondera, contudo, que os riscos à concretização desse cenário se elevaram nas últimas semanas. "A alta das commodities no mercado internacional (que se transmite mais fortemente à inflação doméstica sem o amortecimento da apreciação do câmbio), e a piora das expectativas de inflação podem tornar mais desafiador o trabalho do BC. Conseqüentemente, aumenta o risco da necessidade de aperto monetário maior, via taxa de juros, medidas macroprudenciais, ou um superávit primário acima da nossa projeção de 2,5% do PIB (ou uma combinação dessas medidas)", concluem os economistas da instituição.

A entrada em vigor da nova Selic levou a um rebalanceamento dos juros futuros e também das taxas de retorno de títulos públicos prefixados, vendidos ontem pelo Tesouro Nacional. As taxas das Letras do Tesouro Nacional (LTN) subiram. O Tesouro colocou 7,5 milhões desses papéis, garantindo, em média, 12,2389% ao ano para o vencimento outubro de 2011; 12,8890% para abril de 2013; e 12,7309% para janeiro de 2015. Na BM&F, antes do ajuste, o DI fevereiro era cotado a 11,16%; o DI março, a 11,14%; o DI janeiro de 2012, a 12,36%; e o DI janeiro de 2013, a 12,71% ao ano.

O dólar fechou em leve baixa no mercado à vista, cotado a R$ 1,672 para venda. O BC realizou dois leilões de compra da moeda e, hoje, vende contratos de swap reverso, o que equivale a compra de dólar futuro.

Angela Bittencourt é repórter especial