Título: Riscos nos motores de crescimento
Autor: Canuto, Otaviano
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2011, Opinião, p. A13

Enquanto o mundo rico põe sua casa pós-crise em ordem, os países em desenvolvimento, como um todo, estão se tornando o novo motor do crescimento mundial. Cada vez mais, eles são uma força que puxa as economias avançadas para adiante. Mas trocar de locomotivas nunca foi imune a riscos.

Como o meu colega Marcelo Giugale e eu discutimos em nosso recente livro "The Day After Tomorrow" (O dia depois de amanhã), há pelo menos quatro canais ao longo do qual esta mudança está ocorrendo. Primeiro, os balanços patrimoniais nos setores público e privado na maioria das economias emergentes estão relativamente limpos. À medida que a desalavancagem progredir nas economias avançadas, muitos países em desenvolvimento serão capazes de explorar oportunidades de investimento inexploradas - os gargalos de infraestrutura são um exemplo gritante.

Segundo, existe um grande estoque de tecnologias que o mundo em desenvolvimento ainda está adquirindo, adotando e ao qual está se adaptando. Graças aos avanços em informação e comunicação, a transferência dessas tecnologias está se tornando mais barata e segura. Além disso, diminuíram os custos de transporte e a ruptura das cadeias verticais de produção em muitos setores está facilitando a integração dos países mais pobres à economia mundial.

Em terceiro lugar, o reverso da medalha da ascensão de novas classes médias em muitos mercados emergentes é que a absorção interna (de consumo e investimentos) nos países em desenvolvimento como um todo pode crescer, em relação a seu próprio potencial produtivo. Se os vínculos comerciais Sul-Sul forem reforçados, poderemos ver um novo ciclo de crescimento puxado por bem-sucedidas exportações de países menores.

A tarefa mais importante é facilitar a criação de novos ativos para atender a demanda, tirando proveito da abundância de capital e garantindo regras favoráveis ao financiamento de projetos e investimentos de longa maturação.

Finalmente, os países em desenvolvimento detentores de grandes estoques de recursos naturais poderão beneficiar-se da forte demanda relativa por commodities projetada para o médio prazo. Desde que sejam implementados governança e mecanismos de gestão de receitas adequados - especialmente para evitar comportamentos "aproveitadores" - a disponibilidade de recursos naturais poderá vir a ser uma bênção, e não uma maldição, para esses países.

A maioria dos países em desenvolvimento já estava avançando nesses quatro canais antes da crise financeira mundial, em larga medida devido à melhoria de suas políticas econômicas durante a década anterior. Tendo em vista que que essas políticas capacitaram esses países a reagir bem aos choques provenientes do epicentro de crise, existem fortes incentivos para mantê-las em vigência.

Há, no entanto, uma grande ameaça a uma transição harmoniosa rumo a novas fontes de crescimento mundial: a possibilidade de exagero no inevitável ajustamento dos preços dos ativos que acompanha a mudança das perspectivas relativas de crescimento e das percepções dos riscos.

De fato, como a criação de novos ativos em países em desenvolvimento será mais lenta do que o aumento da demanda por eles, os preços dos ativos existentes nesses mercados - ações, títulos, imóveis, capital humano - provavelmente dispararão para além de seu valor de equilíbrio de longo prazo. A história recente está repleta de exemplos do possível surgimento de efeitos colaterais negativos.

Todos e cada um dos recentes crescimentos acelerados seguidos de contração brusca - na América Latina, Ásia e Rússia nos anos 1990, e na Europa Oriental, Europa Meridional e Irlanda, mais recentemente - compartilharam alguma combinação de custos financeiros insustentavelmente baixos, bolhas de ativos, excesso de endividamento, crescimento dos salários injustificado pelos ganhos de produtividade e absorção doméstica maior do que a produção. Em cada caso, os desequilíbrios foram alimentados por períodos facilmente identificáveis de euforia e aumento brusco dos preços de ativos.

É verdade que fatores externos, como a liquidez externa, foram favoráveis - ou pelo menos permitiram - tais períodos de euforia. Déficits fiscais e em conta corrente gêmeos (e/ou descasamentos entre câmbio e maturação de dívidas) foram a regra. Mas nosso argumento é que forças poderosas que provocam elevação dos preços dos ativos podem ser desencadeadas, mesmo sem enormes afluxos de liquidez. A corrida pela disputa de recursos naturais disponíveis e uma perigosa euforia pode ocorrer por meio de mecanismos puramente domésticos.

Assim, o que devem fazer os países em desenvolvimento, além de manter políticas macroeconômicas sólidas, reduzir excessiva alavancagem financeira interna e tentar isolar-se do afluxo de capitais voláteis?

A tarefa mais importante é facilitar e fortalecer a criação de novos ativos, e há muita coisa que os países em desenvolvimento podem fazer a esse respeito. Eles podem tirar proveito da atual abundância de capital disponível para construir "contestabilidade", transparência e qualidade institucional em torno de mercados onde podem ser realizados investimentos em setores inaugurais. Eles podem garantir que as regras vigentes sejam consistentes e favoráveis ao financiamento de projetos de investimento de longa maturação. E podem investir em sua própria capacidade de seleção e detalhamento de projetos.

Essas e outras reformas internas serviriam para moderar a alta furiosa nos preços dos ativos nos países em desenvolvimento. Por essa razão, elas também constituem a melhor forma de garantir que as próximas locomotivas do crescimento mundial - e todas as economias que são por elas puxadas - permaneçam nos trilhos.