Título: Investimento direto recorde cobre buraco das contas externas em 2010
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 26/01/2011, Finanças, p. C1

O país bateu todos os recordes de atração de recursos no ano passado e não teve dificuldades para fechar as contas do balanço de pagamentos. Houve ingresso maciço de investimentos diretos e em aplicações em títulos e ações. O déficit em conta corrente, medida da necessidade de financiamento externo da economia, atingiu o maior valor nominal da série histórica do Banco Central (BC), US$ 47,518 bilhões, equivalente a 2,28% do PIB. Mas só o investimento estrangeiro direto (IED), com entrada líquida de US$ 48,462 bilhões, valor recorde, foi suficiente para cobrir o buraco das contas externas.

O ingresso de investimentos cresceu nos últimos meses do ano passado. No primeiro semestre de 2010, devido ao cenário mais difícil nos países desenvolvidos, boa parte dos investimentos destinados ao Brasil foi postergada. O BC chegou a diminuir suas projeções, para US$ 32 bilhões. Nos últimos meses, o quadro se inverteu e o fluxo total surpreendeu até mesmo a autoridade monetária, que já esperava atingir US$ 38 bilhões.

Somente em dezembro, o IED somou US$ 15,364 bilhões, maior valor mensal da história. Boa parte dos recursos veio da China. Uma única operação, a ampliação de capital da Repsol, subscrita totalmente pela chinesa Sinopec, foi responsável pela entrada de US$ 7,1 bilhões no mês. Outras aplicações vultosas, de US$ 1 bilhões cada, vindas também de outros países, foram direcionadas para as áreas de metalurgia e extrativismo mineral.

O ritmo do investimento direto, segundo Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do Banco Central, está muito forte. A estimativa é que a tendência se mantenha ao longo de 2011, atraindo US$ 45 bilhões para projetos de infraestrutura ligados aos eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas e para o pré-sal, disse. Lopes lembrou que a liquidez internacional continua abundante e o diferencial de crescimento com relação ao resto do mundo mantém a atratividade do país.

O mercado está um pouco menos otimista e aponta IED de US$ 40 bilhões em 2011, segundo o Boletim Focus. De qualquer forma, o investimento direto não deve ser suficiente para cobrir de maneira integral o déficit em conta corrente, estimado em US$ 64 bilhões pelo BC, e em US$ 67 bilhões, de acordo com o Focus. Embora esse descompasso não ocorra desde 2001, não há preocupação com o financiamento externo do país, aponta o Departamento de Pesquisa Econômica do Bradesco. A diferença ficará a cargo das captações de empresas e bancos no exterior, cuja taxa de rolagem (diferença entre as captações e as amortizações), que em 2010 ficou em 237%, deve fechar este ano em 150%, segundo o BC. Há também as aplicações estrangeiras em portfólio (títulos e ações), que bateram recorde em 2010, com US$ 52,272 bilhões, e devem trazer US$ 40 bilhões ao país neste ano, segundo estimativas do BC.

O aumento do déficit em transações correntes em 2010 decorreu da ampliação dos gastos com viagens internacionais, que atingiram recorde de US$ 10,503 bilhões; remessas de lucros e dividendos, de US$ 30,375 bilhões; e aluguel de máquinas e equipamentos, US$ 13,683 bilhões. Em 2011, viagens devem atingir US$ 12 bilhões, enquanto os dividendos podem levar do país mais US$ 33 bilhões, segundo o BC.

Para este ano, a expectativa do mercado é de que o déficit chegue a 3% do PIB, patamar que embora elevado não representa risco de financiamento dada a atratividade da economia brasileira. Se, por ventura, o país vier a enfrentar um período de retração dos investimentos de grande magnitude, lembra Luis Otavio de Sousa Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil, as transações correntes se ajustariam pela depreciação da moeda brasileira, uma das vantagens do câmbio flutuante. E câmbio mais depreciado seria um incentivo para as exportações.

O único risco, diz Leal, é se o país não fizer a "lição de casa" em termos fiscais e a dívida bruta se deteriorar fortemente, ou se houver uma desvalorização muito forte do câmbio com reversão do fluxo. Nesse caso, o setor exportador pode não acompanhar o ritmo e a entrada de divisas via comércio exterior pode não ser suficiente num primeiro momento.