Título: Custo em dólar preocupa setor agrícola
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2011, Internacional, p. A8

De Davos

O aumento do custo, em dólares, para os produtores agrícolas brasileiros, impõe um limite à expansão da oferta de alimentos no país, ajuda a sustentar a alta mundial de preços e já anima grandes empresas a buscarem novas áreas de expansão do plantio, como a África, afirmou o presidente mundial da Bunge, Alberto Weisser. Em debate informal, no Fórum Econômico Mundial, lembrou que o preço, em dólar, da soja cresceu, em 10 anos, cerca de 100%, enquanto o salário mínimo aumento quase 500% o que, ao mesmo tempo, leva ao aumento do consumo interno e desestimula a ampliação das exportações, acredita ele.

A alta de preços, revoltas populares impulsionadas por escassez de alimentos e sugestões como a do presidente da França, Nicolas Sarkozy, de criação de estoques reguladores globais para o setor agrícola, foram um dos grandes pontos de debate no Fórum Econômico Mundial deste ano, encerrado ontem nos Alpes suíços. "O mercado produz 10 milhões de toneladas de soja adicionais a cada ano, mas a demanda aumenta em 30 milhões", disse Weisser. "Por isso o aumento na produção de países como o Brasil é fundamental".

O executivo conversou sobre esses dados com o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, em almoço do Fórum, de que participaram na sexta-feira. Estimulado por Tombini, divulgou aos outros integrantes do almoço, sua tese de que o aumento do custo em dólares da produção brasileira criou um patamar, acima do preço histórico de commodities como soja e açúcar, que funciona como freio ao aumento da produção.

"Para se animar a expandir produção, o produtor no Brasil precisa que a cotação da soja esteja acima de US$ 9 o bushel; e o de açúcar, que a libra-peso esteja em torno de US$ 0,18", calculou Weisser. Antes da escalada de preços, o bushel da soja chegou a US$ 6, e a libra-peso do açúcar caiu a US$ 0,09, lembrou o presidente de uma das três maiores companhias do setor. "Hoje, com a soja a US$ 14 por bushel e a libra-peso do açúcar a US$ 0,30, o produtor brasileiro está com a cabeça enfiada na terra", disse Weisser, ao Valor. "Não se sabe o que farão, se o preço cair".

Weisser comentou que a situação brasileira já faz a própria Bunge estudar áreas onde, hoje, a logística não torna atraentes os investimentos, como a África. Se, por um lado, esse movimento tem o efeito positivo de estimular a produção em áreas hoje pouco desenvolvidas, os produtores brasileiros podem se ver sem condições de lidar com a entrada de novos concorrentes no mercado.

A rápida chegada da nova concorrência é um movimento previsível, como aconteceu nos anos 80, quando a invasão do Afeganistão pela Rússia levou os EUA a decretarem embargo nas exportações de grãos e o Japão, temeroso do uso dos alimentos como arma política, investiu para desenvolver o plantio de soja no Cerrado brasileiro.

Adotando o tom de confiança nas autoridades brasileiras que foi uma constante em Davos - apesar dos alertas de economistas para a necessidade de controle nas contas públicas -,Weisser disse acreditar que "a presidente Dilma (Rousseff) sabe o que fazer, está atenta à questão".

O aumento no preço dos alimentos foi um dos principais tópicos das discussões dispersas por painéis de especialistas, almoços e conversas informais no encontro em Davos. Já em um dos primeiros painéis do fórum, o economista Nouriel Roubini alertou para a instabilidade política causada pela alta nos alimentos, demonstrada por crescente agitação política na África. "É algo que pode realmente derrubar regimes, como vimos no Oriente Médio", disse.

O temor da inflação provocada pelos preços agrícolas deu fôlego à campanha por mecanismos regulatórios no mercado de commodities, que o presidente francês, Nicolas Sarkozy, vem fazendo como presidente do G20, o grupo das economias mais influentes no mundo - uma campanha que o governo brasileira teme ser pretexto para justificar a política de subsídios agrícolas europeia. Sarkozy, em sua aparição no fórum, neste ano, assumiu a frente da campanha contra a especulação com commodities, que acusou de alimentar a escassez de alimentos e ser alimentada por ela.

Empresários e banqueiros que participaram do encontro de parte da elite mundial no refúgio suíço de Davos atribuem papel relativamente pequeno aos fundos especulativos, na alta dos preços mundiais de commodities, porém. "É uma questão de oferta e demanda, inclusive de estoques em governos preocupados em assegurar abastecimento", disse o presidente do grupo dinamarquês de transporte marítimo AP Moller Maesk, Nils Andersen. (SL)