Título: Crescimento e novos desafios marcam encontro em Davos
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2011, Internacional, p. A8

À saída de uma mesa de debates anormalmente movimentada para um último dia do Fórum Econômico Mundial, no sábado, o vice-presidente da Comissão de Planejamento da Índia, Montek Singh Ahluwalia, falou em "cauteloso otimismo", o bordão mais popular em Davos, neste ano, ao definir, para o Valor, qual a sensação geral entre os participantes do encontro que reuniu por quatro dias na Suíça boa parte da elite mundial. "A situação é melhor do que esperávamos, mas há desafios à frente", disse. "Curioso. Essa é exatamente a frase que o general David Petraeus usou para definir a situação no Afeganistão", emendou, rindo de si mesmo.

A comparação inconsciente com o general que fez um relatório ufanista sobre a ação militar dos Estados Unidos no Afeganistão na semana passada, deixando de lado a catástrofe em que está mergulhado o país, tem alguma razão de ser. Aliviados com o fim do temor de volta da recessão em 2010, os organizadores de Davos tiveram de montar às pressas, no sábado, o debate do qual saía Ahluwalia. O tema: Tunísia, país de onde se originou uma revolta popular contra governos corruptos na África que, durante a semana, engolfou também o Egito.

Na quinta-feira, Yasmine Allam, a assessora de imprensa do ministro do Egito, Rachid Mohamed Rachid, telefonou ao Valor para informar que o egípcio havia cancelado a entrevista com o jornal, marcada na semana anterior, porque desistira de ir a Davos. Dois dias depois, caía o gabinete de ministros, em meio a tumultos e mortes nas ruas do país. Até sábado, quando passou a um dos temas principais, a crise egípcia, comentada discretamente nos corredores, tinha recebido atenção limitada em poucas das mais de uma centena de sessões de debate e palestras do Fórum.

Os temas que despertaram mais atenção foram a vitalidade das economias emergentes, especialmente China e Índia; a recuperação do crescimento dos Estados Unidos, às custas de gigantesco déficit público que chegou a ser comparado a "um elefante debaixo da mesa"; as queixas dos banqueiros contra o que consideravam uma demonização dos bancos fomentada pelos governos; e as dúvidas sobre o futuro do euro e dos governos europeus dobrados por rombos nas contas públicas - situação que, para irritação da ministra da França, Christine Lagarde, o presidente do banco Barclays, Robert Diamond, disse ter passado de aguda, no ano passado, para "crônica", neste ano.

O tumulto político egípcio serviu em Davos como exemplo das reações inesperadas nas ruas a problemas não identificados como prioritários pelos radares do Fórum Econômico. Motivada em parte pelo aumento nos preços dos alimentos, mas principalmente pela rejeição popular a regimes autoritários e corruptos, a crise egípcia, por pressão dos jornalistas presentes, foi tratada em algumas declarações de governantes e se insinuou num painel de discussão, no sábado, sobre as previsões de especialistas e acadêmicos.

No debate, o ex-vice-presidente do Banco Mundial e ex-secretário-geral adjunto da ONU Mark (lord) Malloch-Brown, da consultora FTI, disse apenas que o assunto era delicado demais para se cobrar recomendações saídas de Davos. O ex-presidente do México, Ernesto Zedillo, ao lado de Malloch-Brown, advertiu aos que torcem pela derrubada da ditadura egípcia de que os resultados podem ser maior instabilidade na região. "Cuidado com o que desejam", comentou, prevendo problemas em países do Oriente Médio, como Síria e Jordânia caso fosse de fato derrubado o governo do Egito.

"O cidadão árabe está zangado e frustrado; o nome do jogo é reforma", disse na sexta-feira o secretário-geral da Liga Árabe, ex-ministro de Relações Exteriores do Egito, Amr Moussa, que, num dos primeiros painéis do Fórum, frustrou com um discurso genérico quem esperava que discutisse os acontecimentos na África.

Apesar da nota sombria deixada pelas incertezas políticas no fim da semana, a reunião de Davos foi marcada, em geral, pelo clima de alívio com a volta do crescimento norte-americano e as boas perspectivas das economias emergentes, especialmente China e Índia. "Há bem mais otimismo, isso aqui no ano passado parecia um enterro", reconheceu o presidente da Embraer, Frederico Curado.

Nos quatro dias de debates, foi possível ouvir discursos veementes de diferentes autoridades europeias garantindo apoio político para evitar o calote das dívidas soberanas dos países mais afetados pela crise na Europa e explanações sobre como a China deve lidar com a ameaça de uma "bolha especulativa" gerada pelo crescimento do país. Mas, como o caso do Egito, muitos temas delicados foram apenas mencionados pelos especialistas reunidos com parte da elite mundial, como o perigo de crise da dívida no setor privado de uma Europa estagnada e o risco de nova crise hipotecária nos EUA, devido à permanência das altas taxas de desemprego.