Título: Em crise, Bélgica nega empobrecimento
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2011, Internacional, p. A13

A Bélgica, sem governo há 229 dias, atravessa sua pior crise política dos últimos tempos, e os mercados punem o país, com juros mais altos para rolar a dívida soberana e cobrando também mais contra o risco de calote de um do que no caso do risco Brasil, por exemplo.

Mas nos meios empresariais, a mensagem generalizada é de que a economia vai bem e não periga entrar no grupo quebrado da Grécia, Irlanda ou Portugal. Sobretudo, a indagação sobre se a Bélgica estaria se tornando uma "Belíndia" é recebida quase como uma ofensa.

"Belíndia" foi o termo inventado nos anos 70 pelo economista Edmar Bacha, para denominar um Brasil heterogêneo contendo uma parte de Bélgica rica e Índia pobre.

"A crise é política, mas a economia está gerando riqueza e os belgas são extremamente ricos", afirma enfático o diretor-geral da Federação das Empresas Belgas, Rudi Thomaes. "Olhe meu gabinete, você acha que a gente está se tornando pobre?", acrescenta abrindo os braços.

Analistas concordam que os fundamentos estão bem, mas o impasse político começa a ter impacto na economia. "Aumenta o nervosismo no mercado e em setores econômicos porque reformas importantes estão sendo adiadas", diz Cinzia Alcidi, economista do Centro Europeu de Estudos Políticos, em Bruxelas.

Os belgas até agora foram pacientes. A tal ponto que só sete meses depois da deflagração da crise política é que fizeram uma manifestação de rua. Mas os partidos não se moveram e, na semana passada, o mediador do rei para a tentativa de um acordo acabou jogando a toalha, estimando que ninguém queria se entender. "O impasse é total", deu em manchete o jornal "Libre Belgique". "Sem compromisso, não há país", foi a manchete do jornal "Le Soir".

Dois partidos de Flandres, incluindo o separatista N-VA, que ganhou a eleição de julho do ano passado, querem distribuir mais poder para as regiões. Mas o confronto é mais profundo sobre os rumos econômicos também.

A Valônia francesa, débil economicamente, é liderada pelos socialistas que não querem cortar despesas mas sim aumentar impostos. Já em Flandres, rica e de língua holandesa, a centro-direita propõe reduzir gastos e não subir os impostos.

Certos analistas argumentam que a dívida pública chegou a 100% do PIB por causa da concessão exagerada de alocações sociais ou de projetos sem futuro, para acomodar o confronto linguístico.

Depois de Irlanda e Itália, a dívida belga é a maior da Europa, na comparação com o PIB. A diferença da taxa de juro para o país rolar a dívida em comparação a Alemanha é superior a 1%, seu mais alto nível histórico. O custo para fazer seguro contra calote da dívida belga é de 185 pontos-base, comparado a 115 no caso do Brasil, ilustrando a desconfiança do mercado sobre a capacidade de o país pagar sua dívida.

Mas o governo e empresários acusam os mercados de "irracionalidade" e insistem que a dívida soberana de ¿ 242 bilhões, ou 5,2% do total europeu, não vai levar o país a ser o próximo da vez na crise financeira na Europa.

"Nós não vamos jamais estar nesse grupo", diz Thomaes, representante dos empresários. E insiste no porquê: primeiro, a Bélgica empresta dinheiro ao resto do mundo, estando no lado oposto dos outros que são devedores. Segundo, a riqueza total das famílias belgas, incluindo imóveis, é estimada em ¿ 1,7 trilhão, ou mais de 200% do PIB.

"Se for necessário, compramos a dívida que está nas mãos estrangeiras", diz ele. O ministro de Finanças, Didier Reynders, prepara uma isenção tributária para os belgas que comprarem títulos do Estado em vez de investirem em papéis no exterior. Para o primeiro-ministro Yves Leterme, é "ridícula" a classificação do país como 16ª no mundo, correndo mais risco de falência.

No curto prazo, todos concordam que o risco é irrelevante. "Do ponto de vista econômico, somos anexados à Alemanha. Se a locomotiva alemã vai bem, nós vamos bem, e é o que acontece agora", diz Thomaes. A economia belga deverá crescer acima da média europeia, de 2% este ano, criando mais emprego e gerando mais receita fiscal. O déficit público, o emprego e a balança de contas correntes são outros parâmetros que colocam a Bélgica a frente dos outros países da zona do euro. E isso tudo apesar de um governo interino, com capacidade limitada de gestão.

O país começou 2011 sem orçamento federal. O rei Albert II pediu para o primeiro-ministro fazer tudo para arrancar um compromisso entre os partidos, sem resultado. O governo funciona com apenas 1/12 do orçamento precedente, o que na prática constitui uma política de rigor, fazendo poupança maior do que prevista.

"No longo prazo é que vem os problemas", diz Thomaes. E a desconfiança dos mercados cresce. Um exemplo é sobre a reforma da aposentadoria. O representante dos empresários reclama que os belgas de língua francesa querem manter o sistema atual, de aposentadoria aos 65 anos, mas podendo antecipar para os 61 anos sem serem penalizados financeiramente. Já os belgas de língua holandesa aceitariam elevar a idade de aposentadoria para 67 anos.

Temendo pagar a conta, os sindicatos sugerem aos partidos tomar todo seu tempo, para chegar a acordos políticos aceitáveis.

Apesar da crise duradoura, nem os separatistas flamengos falam de divisão iminente do país - pelo menos não ainda. Mas o jornal "Le Soir" revelou na primeira página a "nova moda belga": obter passaporte no vizinho Luxemburgo.