Título: BC amplia foco para além da inflação
Autor: Safatle, Claudia; Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 02/02/2011, Finanças, p. C10

Diante da nova realidade, onde há um extraordinário nível de liquidez no mundo e fortes pressões inflacionárias no Brasil, o Banco Central ampliou o leque de atuação para cumprir dois objetivos: a estabilidade monetária, e a estabilidade financeira. Para manter a inflação sob controle, continuará usando a taxa básica de juros (Selic). Em sua última reunião, a primeira do ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) iniciou o ciclo de alta dos juros, ao puxar a taxa para 11,25% ao ano. Para assegurar a estabilidade financeira, prosseguirá adotando medidas macroprudenciais.

O BC está atento ao fato de que o cenário internacional, hoje, demanda uma atuação firme para evitar que o fluxo excessivo de moedas que ingressam no país traga consequências perversas, no futuro, tanto para o setor produtivo quanto para o mercado de crédito.

Apesar de terem destinações distintas, juros e ações prudenciais têm vasos comunicantes que produzem freios sobre o crescimento da demanda agregada da economia. É o crescimento espetacular da demanda um dos motores da inflação, ao lado do não menos importante choque de preços das commodities que já espalha os efeitos de segunda ordem sobre os demais preços.

A atuação do BC brasileiro, dessa forma, se distingue de outros bancos centrais de países emergentes, como o chileno, o turco e o colombiano, que para evitar novas apreciações de suas moedas, decorrentes do intenso fluxo de capitais, estão optando por uma maior tolerância inflacionária, mantendo e até mesmo reduzindo os juros.

Conduzido por Alexandre Tombini, o BC vai se diferenciando também das instituições das economias desenvolvidas, como a Inglaterra, por exemplo, que já trabalha com uma inflação anualizada de 5%. Embora seja uma variação bem acima da sua meta, o banco central inglês não dá sinais de que pretenda, pelo menos no curto prazo, elevar os juros.

Países da União Europeia enfrentam o espectro da estagflação - alta inflação com estagnação econômica. Essa é uma situação temida pelos bancos centrais, que se veem sem instrumentos para frear os preços, pois não há como desacelerar economias já frágeis.

No caso brasileiro, as medidas prudenciais jogam um papel importante no combate aos novos desequilíbrios. Para os bancos, elas seguirão as diretrizes básicas do Comitê de Basileia, de combate à insuficiência de capital e à baixa qualidade dos ativos. Por elas controla-se o segmento do crédito, hoje um canal potente de expansão do consumo e do nível de atividade no país.

Há um outro grande desafio, no entanto: a questão cambial que também requer ações de cunho prudencial. O câmbio é e continuará sendo flutuante, enfatizam as autoridades governamentais. Mas há ciência de que é preciso tratar dos efeitos indiretos do fluxo de capitais e que não cabe, nesse tema, uma visão ingênua. O fluxo de recursos externos para o Brasil produz aumento da liquidez interna, expande o mercado de crédito e se traduz em impacto direto sobre os preços dos ativos, sejam eles imóveis ou a própria taxa de câmbio, que também é um ativo. Uma reversão na cotação da moeda, no futuro, causaria imensos estragos no setor produtivo.

O câmbio está fora do lugar, deslocado dos fundamentos, no entendimento dos principais economistas do governo. O país carrega um déficit em transações correntes de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB), que caminha para a casa dos 3% do PIB. Segundo projeções do Banco Central, divulgadas na última segunda-feira, o déficit em conta corrente este ano deve chegar a 2,84% do PIB, o que significa que o país terá que captar US$ 64 bilhões no mercado internacional para fechar as contas do balanço de pagamentos. Ainda assim, o real se valoriza frente ao dólar.

O BC teve condições de fazer uma política monetária independente das condições mundiais nos últimos anos, com absorção de capitais, acumulação de reservas cambiais e taxa de juros no patamar necessário para conduzir a inflação para a meta. Hoje as condições são diferentes, sobretudo em relação à enorme liquidez decorrente das políticas de juro zero e da oferta de recursos pelos bancos centrais dos países desenvolvidos.

Para fazer mais do mesmo, portanto, entende-se no governo que a autoridade monetária precisa reforçar a sua caixa de ferramentas. Ou seja, o BC vai continuar com a política do regime de metas, mas ampliará seu raio de ação para lidar com as questões que, a rigor, são da sua alçada, decorrentes direta e indiretamente do farto fluxo de capitais. Até porque não está no horizonte visível uma reversão importante dos estímulos dados pelos países desenvolvidos, como a política americana do "quantitative easing".

O uso de ferramentas macroprudenciais é uma novidade para o mercado, até então acostumado à previsibilidade que o instrumento tradicional, o juros, oferecia. Aos operadores do mercado é confortável saber o tamanho do impacto das ações de política monetária para fazer suas contas e suas apostas. O governo reconhece que as medidas prudenciais têm impacto na macroeconomia, mas não dimensiona esse efeito e entende que não cabe ajudar o mercado a fazer suas contas.

Isso, de fato, torna mais difícil e complexa a leitura sobre os passos da autoridade monetária por parte do mercado daqui para frente. Mesmo considerando que a transparência é parte relevante da coordenação das expectativas inflacionárias, e que a previsibilidade de sua atuação seja um elemento interessante desse processo, o governo não a vê como necessária agora, devido às peculiaridades do cenário internacional.

O quadro inflacionário no Brasil ainda é incerto. A inflação corrente, no momento, é um dos fatores que mais influenciam as expectativas inflacionárias. Além dos elevados índices, sob impacto dos reajustes de início de ano nas tarifas de transporte e nos preços dos serviços de educação, há os fatores climáticos e os aumentos de preços das commodities. Sobre tudo isso pesará, ainda, uma componente estatística. Como a inflação ficou próxima de zero entre os meses de abril e julho do ano passado, a comparação este ano será feita sobre uma base pequena. O resultado será um indicador mais pronunciado até que os dados do ano passado saiam do radar.