Título: O pesadelo da escalada de preços das commodities
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2011, Opinião, p. A10

A escalada dos preços das commodities trará dificuldades consideráveis aos países que já estão enfrentando pressões inflacionárias e pode trazer de volta as preocupações com a inflação nos países desenvolvidos. Há vários fatores convergindo para empurrar as cotações para cima, tanto das matérias-primas alimentícias como industriais. Um termômetro bastante sensível já deu sinal de alerta - os preços do petróleo estão acima dos US$ 90 e não prometem diminuir tão cedo. A decomposição de parte das ditaduras árabes empurrou o óleo para cima dos US$ 100 nesta semana, mas mesmo sem os picos de instabilidade política no Oriente Médio a tendência é de alta. O último relatório do Fundo Monetário Internacional aponta alta superior a 10% para a commodity, com preços médios ao redor dos US$ 90 - um cenário benevolente.

A corrida de preços das commodities, intensificada nos últimos meses, foi expressiva. Tomando o dólar como base, houve avanço de 40,7% em uma cesta que inclui metais, matérias-primas industriais e de alimentos, segundo o índice da revista britânica "The Economist". As commodities agrícolas subiram 39,2% em um ano e, apesar de seu efeito letal sobre a inflação e o nível de vida dos países pobres, os bens não agrícolas aumentaram mais, 93,3%. E se a economia mundial continuar se recuperando, com a Europa recobrando o atraso, algo que a economia americana já fez, a tendência das cotações é de mais altas por algum tempo.

O novo boom das commodities, que para várias delas já superou os picos de preços de 2008, veio antes do que se poderia esperar. Há dúvidas se, com um breve interregno no auge da crise financeira internacional, não se trata do mesmo ciclo de alta, motivado por mudanças estruturais na economia mundial. Sem ir tão longe em suas conclusões, um estudo do Barclays Capital aponta que as commodities geralmente se valorizam mais ao final de um ciclo de recuperação econômica, depois que as indústrias já purgaram seu excesso de estoques e de capacidade ociosa. Vários fatores contribuíram para que a situação agora tenha seguido um rumo diferente.

Em primeiro lugar, o espantoso ritmo de crescimento dos países emergentes, especialmente dos asiáticos, foi timidamente reduzido pela crise e por muito pouco tempo. Esses países enfrentam agora os problemas decorrentes do superaquecimento antes mesmo que a demanda nos países desenvolvidos tenha se reanimado plenamente. Tanto de um lado como de outro do Atlântico as políticas monetárias são frouxas, as taxas de juros muito baixas e as preocupações com a inflação, inexistentes nos EUA e incipientes na zona do euro.

Se a demanda deu sinais consistentes de firmeza, a oferta foi debilitada por uma série de fenômenos climáticos adversos, que atingiram especialmente as matérias-primas agrícolas, mas não só elas -o carvão australiano saiu de cena com as enchentes, puxando seus preços e os do aço, por exemplo. Alguns países suspenderam importações, enquanto a enorme liquidez global, insuflada pela política de relaxamento quantitativo do Federal Reserve americano, garantiu dinheiro barato para especulação com os mercados de commodities.

Por outro lado, observa Roger Jones, chefe da área de commodities do Barclays Capital, "o aumento da demanda por petróleo em 2010 foi a segunda mais forte em 30 anos" ("Financial Times", 1 de fevereiro). Os países emergentes puxam o consumo. A demanda dos países que não integram a OCDE deverá ser quatro vezes maior em 2011 que a dos países ricos. O cenário não inclui graves riscos políticos, como grandes conflagrações no Oriente Médio. Pode-se estar a caminho delas e o economista Nouriel Houbini soou um alerta de que todos os choques de petróleo passados, que espalharam recessões globais, foram provenientes de eventos políticos históricos naquela região.

A alta das commodities beneficia as exportações brasileiras, mas pode tornar-se um pesadelo para o Banco Central, hoje empenhado em evitar a valorização do real, agravada pelo forte influxo de capital externo. A valorização do real, por seu lado, amortece o aumento das commodities e reduz seu impacto sobre a inflação doméstica. Com um choque nada passageiro de preços das matérias-primas, agrava-se o dilema de perseguir metas de inflação simultaneamente a intervenções fortes no câmbio. Isso poderá exigir uma elevação dos juros maior do que se imaginava a princípio, com os efeitos adversos conhecidos.