Título: Indústria fraca ajusta para baixo os juros
Autor: Campos, Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2011, Finanças, p. C2

Há uma desaceleração na indústria e não na economia como um todo. Essa é uma das impressões causadas pelos dados apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A queda de 0,7% na produção industrial em dezembro contra novembro pegou os economistas de surpresa, já que as previsões eram de alta ao redor de 0,9% (veja gráfico abaixo).

Tal surpresa também acabou estimulando um ajuste de baixa nos contratos de juros futuros (veja gráfico abaixo) e deu força à corrente de mercado que acredita em ajuste total de 150 pontos-base na Selic, contra outro grupo que trabalha com aperto de 200 pontos ou mais.

Para Cristiano Oliveira, economista do Banco J Safra, tal sinalização proveniente da indústria deu ao BC mais um argumento para seguir firme em sua estratégia.

Segundo Oliveira, a autoridade monetária acredita em uma trindade para levar a inflação a convergir com a meta.

Primeiro, a política de aumento de juros (a Selic está em modo de alta). Segundo, o impacto das medidas macroprudenciais (classificadas de instrumento rápido e eficiente). E terceiro, a previsão de menor expansão fiscal (algo ainda a se consolidar).

Juros futuros caíram e dólar subiu a R$ 1,668

O economista está no grupo que trabalha com mais duas elevações de meio ponto na Selic. No entanto, não descarta ajuste maior da taxa básica caso a trindade acima descrita não mostre sua eficiência. No encontro de junho, o Comitê de Política Monetária (Copom) avalia se o corte fiscal está ocorrendo de forma desejada, se as ações macroprudenciais surtiram efeito e se sua função reação mostra necessidade de mais elevações no juro.

Saindo da política monetária e voltando à indústria, Oliveira nota que o resultado mensal foi mesmo uma surpresa, mas lembra que a média móvel de três meses (indicador menos volátil e mencionado pelo BC em sua comunicação oficial) vinha apresentando leituras próximas de zero ou negativas há sete meses. "Isso mostra que existe um vetor de desaceleração da indústria de caráter mais permanente."

Oliveira lembra que a demanda segue bastante forte e que a economia vem sendo suprida por bens importados. Isso fica evidente ao se comparar o quantum importado, que cresce a taxas elevadas, com o superávit comercial, que é reflexo mais de preço do que de quantidade vendida.

É nesse ponto que o dado da indústria pode dar fôlego à história da desindustrialização do Brasil. Temos demanda forte com indústria perdendo fôlego. E tanto o empresariado quanto o consumidor têm incentivos para importar. Além do real valorizado, as ineficiências domésticas resultam em elevado custo do produto nacional, o que é válido para bens de capital, intermediários e bens de consumo.

Tal dinâmica também tem implicações sobre a inflação. Essa importação a preço baixo deve manter a inflação dos bens duráveis abaixo de 4,5%. Mas como os serviços são bens não transacionáveis, a demanda forte deve cobrar seu preço, e Oliveira projeta inflação de serviços ao redor de 9% em 2011.

Ainda na indústria, mas com outro enfoque, o economista do Banco ABC Brasil, Felipe França, acredita que é um pouco cedo para tirar alguma conclusão dos dados da indústria.

Para o especialista, causa estranheza o fato de os indicadores antecedentes utilizados para prever o comportamento da indústria, como consumo de energia, tráfego nas rodovias, confiança industrial e produção de veículos, apontarem para recuperação em dezembro. Enquanto o resultado final foi negativo.

Na visão do economista, tal desempenho da indústria pode indicar dois comportamentos diversos: ou se começa a ver, de fato, que a atividade econômica perde força. O que seria no mínimo esquisito, diz França, pois o "rabo estaria sacudindo o cachorro", já que a oferta estaria recuando antes da demanda. Ou poderemos ver uma reversão desses dados nos próximos meses. Hipótese mais factível, na visão do economista.

Outra interpretação possível é que os industriais já estariam se preparando para uma esperada redução de atividade. Agentes racionais que são, tomaram a decisão de frear a produção, para evitar estoques quando essa retração se concretizar.

Um ponto indiscutível é que esse resultado da indústria deve levar a revisões para baixo nos prognósticos de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do quarto trimestre.

Olhando para o câmbio, a quarta-feira foi de pouca emoção tanto no mercado à vista quanto futuro. No pronto, o dólar comercial oscilou apenas R$ 0,005 entre máxima e mínima antes de fechar a R$ 1,668 na venda, ainda assim, leve alta de 0,24%.