Título: Brasil tem enxurrada de dólares em janeiro
Autor: Travaglini, Fernando; Pinto, Lucinda
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2011, Finanças, p. C12

Moedas: Fluxo de US$ 12,3 bilhões torna difícil conter a alta do real

O forte fluxo de dólares em janeiro, de US$ 12,3 bilhões, comprova que a tarefa do Banco Central para conter a valorização cambial não é nada trivial. O Brasil continua muito atrativo ao capital internacional e a perspectiva de uma elevação do rating brasileiro contribui com essa visão. Como consequência, janeiro começou com uma enxurrada de dólares, decorrente das captações de empresas e bancos no exterior, que superaram os US$ 10 bilhões.

O forte fluxo de dólares turbinou as reservas internacionais brasileiras, que beiram os US$ 300 bilhões. Somente no primeiro mês do ano, o país incorporou US$ 10 bilhões ao estoque, decorrentes das compras à vista feita pelo BC e também da valorização dos ativos, chegando a US$ 298,7 bilhões no dia 1º deste mês.

As entradas de moeda estrangeira superaram as saídas em US$ 12,3 bilhões em janeiro, até o dia 28. O patamar só é inferior aos meses de outubro de 2009 e setembro de 2010, quando aconteceram as ofertas de ações do Santander e da Petrobras, respectivamente.

O comportamento de dois indicadores internacionais de risco (Embi+ e Credit Default Swap) ajudam a explicar essa invasão de dinheiro no país nos últimos dias e reforça o sinal verde para a continuidade desse fluxo. Os dois indicadores bateram recorde de baixa no mês passado, registrando queda próxima a 30% quando comparados com janeiro de 2010.

O Embi+ chegou a ser cotado a 164 pontos em 5 de janeiro. Na terça-feira, era cotado a 169 pontos. O CDS recuou até 104,375 pontos em 4 de janeiro e, ontem, estava em 114,790 pontos.

Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, essa queda na pontuação sinaliza mais entrada de recursos no país, até talvez por receio de novas medidas que possam ser implementadas pelo governo. "O mercado se antecipa a um governo que sistematicamente tem insistido em focar na taxa de câmbio, na política econômica", afirma. Para ele, o Embi+ e o CDS também não deixam de sinalizar um possível medo do que seria o governo Dilma tenha passado. "Riscos de medidas abruptas de política, apesar de não serem acreditadas, podia ter levado a um risco adicional no final do ano passado. Isso não quer dizer, entretanto, que não há riscos. Pelo contrário, temos dois grandes riscos agora, o fiscal e o inflacionário, que podem mudar essa trajetória de risco-país nos próximos meses", alerta.

Vale não tem dúvida de que novas medidas para conter a apreciação do real virão. Ele lembra que esse é o grande foco do governo desde o início do ano, mas não acredita que novas medidas surtirão muito efeito. Além disso, lembra, o que foi feito até agora é um mix de políticas já usadas no passado recente, com exceção das operações com liquidação a termo. A exigência de compulsório no mercado futuro para evitar operações vendidas também já estava no instrumental, só não havia sido implementada. Vale explica que não existem grandes truques a serem feitos e pondera que a margem de manobra de medidas que não impactem negativamente o mercado pode ter chegado ao fim. "Por isso no máximo o governo pode tentar manter o patamar próximo do que está agora, mas não muito mais do que isso. A tendência continua sendo de apreciação. A única coisa que poderia levar a uma depreciação do real agora seria uma mudança da política monetária nos EUA. Isso poderia levar a um leve influxo de capitais para os EUA e uma depreciação momentânea do real para R$ 1,9. Mas é temporária e dependente da política do Fed. Passados esses efeitos a tendência continua sendo de apreciação moderada do real".

Essa perspectiva, de ações firmes do BC para conter a valorização do câmbio, amplia a preocupação de analistas. O coordenador de Estudos dos Mercados Emergentes da Tandem Global Partners e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, Paulo Vieira da Cunha, observa que, ao conter a valorização do câmbio, o governo está protegendo a indústria nacional "que está desatualizada em relação ao resto do mundo e quer usar o câmbio como elemento de proteção". Ou seja, essa política está prejudicando o brasileiro a longo prazo". Ele destaca que outro instrumento utilizado pelo governo, a elevação do IOF, tem como consequência um aumento do custo de capital no Brasil.

O comportamento da curva de juros futuros, que teve suas taxas elevadas desde a mudança da alíquota do imposto para 4% e, depois, para 6%, é um importante termômetro desse efeito. A taxa do contrato com vencimento em 2017, que estava perto de 11,30% em 18 de outubro, quando o IOF foi alterado, ingressou em uma trajetória ascendente, até atingir 12,37% em 22 de novembro. É bom lembrar que os custos de financiamentos, inclusive ao setor produtivo, se baseiam em contratos futuros de juros.

O mesmo efeito se percebe no custo de rolagem da dívida mobiliária. Com a taxação, o estrangeiro simplesmente deixou de entrar para comprar títulos públicos. Tanto é que a fatia da dívida externa nas mãos dos não-residentes, que havia praticamente dobrado entre 2009 e 2010, se estabilizou perto de 10,25% em outubro. O custo da rolagem da dívida também subiu: um bom exemplo é a NTN-F com vencimento em 2021, papel muito demandado por estrangeiros, teve sua taxa elevada de 11,866% ao ano em 4 de outubro (taxa indicativa segundo a Anbima) para 12,9296% na última terça-feira.