Título: Inflação em alta é desafio para BCs no mundo e no Brasil, afirma BNP
Autor: Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2011, Finanças, p. C8

A inflação corrente está alta e as expectativas comprometidas. No Brasil e no mundo. Aqui, fato inédito, a projeção para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) praticamente dois anos à frente - final de 2012- já escapou do centro da meta fixada em 4,5% pelo Conselho Monetário Nacional. Para este ano, a estimativa está mais que descolada da meta central, indicando desancoragem das expectativas. Apenas a confiança de que bancos centrais manterão os índices sob controle não está produzindo efeito. De novo, isso vale para o Brasil e para o mundo. A pesquisa Focus, divulgada pelo Banco Central do Brasil (BC), que sai nesta segunda-feira, deve marcar a segunda semana de previsão inflacionária fora do lugar esperado pelo BC. Na última edição da pesquisa, a projeção mediana do mercado para o IPCA era de 4,70% para o ano que vem. Para este ano, a projeção, em alta há mais de dois meses, avança rumo a 6%. Ainda sem avaliação precisa a respeito do impacto das medidas macroprudenciais em termos de taxa de juro, o mercado elevou há uma semana a perspectiva de Selic para este ano. Para o próximo, o prognóstico foi revisto para cima há duas semanas.

"A pesquisa Focus mostra desancoragem séria das expectativas já para 2011 há algum tempo e agora, crucialmente, para 2012. E é inédito o fato de a projeção para inflação do ano subsequente já estar escapando do centro da meta", alerta Marcelo Carvalho, economista-chefe do BNP Paribas para a América Latina. "Expectativas [descoladas da meta] no ano corrente dá para entender, porque são influenciadas também por choques de curto prazo. Mas dois anos à frente é mais difícil. No passado, o mercado percebia a inflação saindo do centro da meta, mas confiava que o BC a traria de volta. Agora há uma nova situação. E ela encontra paralelo com o cenário global, onde o inflação é centro de discussão entre economistas e onde as expectativas também estão subindo. A inflação está de volta. Veio para ficar e é tema global. O mercado internacional já reavalia, por exemplo, quando o Banco Central Europeu elevará o juro, inclusive, porque já vem se manifestando de forma mais dura sobre a inflação", acrescenta.

Carvalho acaba de retornar de Nova York, onde participou da conferência anual e global do BNP sobre macroeconomia e inflação e comenta que a mensagem do encontro com economistas do mundo todo foi exatamente a do retorno da inflação. E considerando quatro aspectos: hiato do produto, condições da política monetária, expectativas e choques de preços. Ele explica que apesar da crise financeira de 2008, a economia mundial indica que a "folga" na oferta frente à demanda foi ampliada, mas já está fechando. "A projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) para os próximos anos, por exemplo, indica que o mundo crescerá acima do potencial [ritmo que viabiliza crescimento sem pressões inflacionárias]. Há dispersão entre os países, mas, na média, o crescimento global será acima do potencial. E essa variância na perspectiva de crescimento reflete na inflação. Países que estão com atividade forte estão com inflação alta, enquanto os que estão com atividade fraca não têm deflação tão intensa para compensar a pressão altista dos demais. A consequência é inflação global alta e crescente porque os emergentes puxam a média global."

Quanto à política monetária, Carvalho pondera que ela não está tão apertada. Ao contrário, explica, está de neutra para frouxa. Indicadores de condições monetárias construídos pelo BNP, que além do juro incluem câmbio e crédito, mostram que nas economias, agora mais fracas, a política monetária é acomodatícia. E nas economias mais aquecidas a política monetária não é tão apertada como deveria. E isso também vale para o Brasil, na avaliação do economista-chefe do BNP Paribas para a América Latina. "A política monetária menos apertada nos países emergentes decorre da disposição dos governos de evitar a apreciação de suas moedas. Enquanto os Estados Unidos desejam inflação com expansão monetária, o que enfraquece o dólar, o resto do mundo não quer suas moedas fortes ante o dólar. Resultado: o canal do câmbio está parcialmente bloqueado. Uma valorização da taxa de câmbio, aqui e em outros países, que normalmente levaria a um aperto das condições monetárias não está ocorrendo na intensidade necessária."

Marcelo Carvalho comenta que no Brasil e no mundo a percepção, correta ou não, é de que os bancos centrais - na gestão da política monetária - estão levando em conta outros fatores além da inflação. "Que fatores são esses? No mundo emergente, o câmbio. Os bancos centrais dos países emergentes estão subindo o juro menos e/ou mais tarde do que seria o recomendado se estivessem observando basicamente a inflação. E isso acontece porque um aumento mais forte ou mais rápido dos juros pode acelerar o movimento de apreciação cambial que os países estão tentando evitar. Isso vale para o Brasil também. O governo, afinal, vem dando todas as indicações que se preocupa com o câmbio e que não deixará o câmbio se valorizar tão forte ou tão rapidamente quanto as condições de mercado apontam", afirma.

Quanto aos choques de preços, quarto aspecto a ser considerado sobre a volta da inflação, o economista do BNP Paribas comenta que "choque é um termo genérico para falar de commodities em geral e de alimentos em particular". Ele explica que ficou evidente na conferência global do BNP que há um intenso debate sobre o acompanhamento dos índices de inflação sob esse foco. "Os BCs devem olhar os núcleos ou os índices cheios? A pergunta surge porque olhar um ou outro não é suficiente. Nas economias desenvolvidas os núcleos seguem relativamente baixos, mas a inflação cheia está subindo. E a diferença entre as duas leituras é tipicamente preços de alimentos e energia ou petróleo. E a lógica por detrás dessa questão é que alimento e petróleo tendem a ser voláteis e temporários. Mas essa lógica só funciona se alimentos e energia tiverem, de fato, componente volátil, mas permanecerem, em média, estáveis. E o que vemos é que há volatilidade com tendência de alta. Os preços das commodities são voláteis, mas sobem há vários anos."

A percepção externa, segundo Carvalho, é que o mundo está vivendo um super ciclo de aumento de commodities. "Isso faz sentido pelas condições atuais. Em primeiro lugar, porque há ampla liquidez global com investidores buscando rentabilidade porque o juro está baixo na maioria dos países e especialmente nos Estados Unidos. Em segundo lugar, há um fator fundamental de oferta e demanda. Não se consegue oferta rápida de alguns produtos. Exemplo, soja. E do lado da demanda, a tendência parece claríssima. Enquanto a Ásia emergente crescer forte, há um aumento importante na demanda por commodities e alimentos que tem a ver com o fato de o chinês, enriquecendo, ter uma dieta diferente, consumindo mais proteína. Simplificando, proteína é carne que leva ao consumo de soja, que é ração. Essa mudança é estrutural, de longo prazo e veio para ficar e tem a ver com o aumento da renda per capita nos países emergentes. Em particular, China."