Título: Cuidados múltiplos
Autor: Guimarães, Luiz Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2011, Especial, p. F1

No final do ano passado, Márcio Coriolano, presidente da Bradesco Saúde, foi pessoalmente visitar um pequeno empresário do ramo de pizzarias que acabara de negociar com a seguradora um sofisticado plano de saúde para os seus 20 funcionários. Coriolano queria saber os motivos da decisão aparentemente perdulária. "Se eu não der o melhor para os meus empregados, meu concorrente vai acabar levando colaboradores que eu gastei muito tempo para treinar e que não será fácil repor", explicou o comerciante. Pró-cíclico, o setor dos planos privados de saúde foi favorecido em 2010 pelo acelerado crescimento da economia brasileira. O número de beneficiados cresceu cerca de 8,5% e a receita média das 1.060 operadoras deu um salto de 9,4%.

O diretor-executivo da FenaSaúde, José Cechin, acredita que o faturamento do setor tenha batido em R$ 70 bilhões no final de 2010. A expansão superou o crescimento do PIB, estimado em 7,5%, porque além de refletir a ampliação da renda das famílias, os planos de saúde foram expostos na porção mais visível da vitrine de benefícios montada pelas empresas em geral para atrair novos funcionários e mantê-los cativos, a salvo do assédio da concorrência.

"A disputa pelos trabalhadores qualificados está cada vez mais feroz. Não basta oferecer bons salários e carteira assinada. A empresa precisa seduzir o funcionário com um plano de saúde mais atraente e completo do que o oferecido pelo concorrente. E isso vale para qualquer tamanho de empresa", diz o executivo da Bradesco Saúde, empresa líder do setor entre as seguradoras, só superada, no ranking geral, pela Amil.

Esta é a principal razão de os planos corporativos, que integram o segmento chamado de coletivo, terem desbancado os individuais. Dominam hoje o setor. Dos 44,8 milhões de usuários de planos de assistência médica (sem as odontológicas), 75% vinculam-se a contratos coletivos. O trabalhador quer o carimbo em sua carteira profissional não só por causa do FGTS ou do 13° salário. O precário sistema público de saúde torna o plano privado a segunda maior aspiração do brasileiro, vindo depois do sonho da casa própria. E trata-se de desejo satisfeito por poucos: mesmo depois do boom recente, só 23,4% da população brasileira estão filiados a um plano.

A segunda razão é que a função reguladora da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) torna-se menos rigorosa quando a negociação é travada entre duas empresas. Juridicamente em pé de igualdade, ambas as partes podem buscar um acordo mutuamente vantajoso. Os planos coletivos precisam seguir o rol de procedimentos médicos e laboratoriais estabelecido como mínimo obrigatório, mas os reajustes anuais podem ser pactuados.

O que os dois lados querem é reduzir custos, sem perder qualidade. Esse ideal dificilmente é alcançado nos planos individuais. Para o superintendente-executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), Luiz Augusto Carneiro, o marco divisório do setor foi estabelecido pela Lei 9656/98. Antes dela, a liberdade era total, criando abusos e distorções. Depois dela, com o passar dos anos as normas tornaram-se excessivas. "O mercado foi engessado. Já é hora de flexibilizá-lo", propõe.

Os dados mais recentes da ANS, do terceiro trimestre de 2010, mostram que enquanto os planos empresariais apresentaram a maior taxa de crescimento (3,8%), os individuais se expandiram 1,7%. Já as apólices coletivas por adesão, fechadas com entidades de classe e categorias profissionais, sofreram retração de 0,4%. Em setembro, o sistema suplementava a saúde de 44,8 milhões de brasileiros, dos quais 33,4 milhões em planos coletivos. Entre as operadoras, as que mais cresceram foram as seguradoras. Sua expansão média no trimestre foi de 3,5%, acima da média do setor, de já expressivos 2,3%. As cooperativas médicas vieram em seguida com 3%, depois as empresas de medicina de grupo (2%) e as filantrópicas (2,3%).

O superintendente do IESS lembra que os contratos assinados antes da vigência da Lei 9.656/98 não são regulados pela ANS. Neles vale juridicamente o teor impresso. É por isso que os "antigos" são os planos que concentram a maior parte dos conflitos e demandas judiciais. Ele defende a revisão da metodologia que define o ajuste anual dos planos individuais. A agência, segundo ele, trata igualmente os desiguais, aplicando um percentual médio independentemente das peculiaridades de cada plano. O índice de aumento é calculado tendo como base o ajuste feito pelos planos coletivos.

A capacidade de reduzir os custos presentes e minimizar os riscos futuros está proporcionalmente condicionada ao poder de fogo exibido na mesa onde sentam para negociar operadora, médicos, laboratórios e hospitais. Um dos segredos confessos da líder Amil é a verticalização. A empresa não apenas opera planos de saúde, mas é dona de hospitais e sócia relevante do laboratório Dasa, o maior do país. Resultado: os custos caem significativamente a ponto de o preço de uma cirurgia se reduzir pela metade quando feita "em casa" pelo pessoal próprio. A verticalização só não é completa porque falta a ponta da onerosa indústria de insumos hospitalares. Mas o ganho é perceptível quando se observa a taxa de sinistralidade do setor.

Ela é a maior entre todos os ramos de seguro. Em média, atinge 50%: apenas metade da receita proporcionada pelos prêmios é destinada ao pagamento de sinistros. A segunda cobre despesas administrativas, pagamento de tributos e agentes de comercialização. É também daí que sai o lucro. A realidade para o setor de saúde é outra. O presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Arlindo de Almeida, estima que a lucratividade do setor esteja situada em termos médios entre 2% e 3%. A taxa de sinistralidade consolidada pela ANS para janeiro a setembro de 2010 foi de 81,1%, bem inferior à de 2009, ano em os consumidores, por medo de perder o emprego e, seu plano de saúde demandaram exageradamente os serviços médicos.