Título: Egito tenta retornar à rotina apesar dos protestos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/02/2011, Internacional, p. A11

Agências internacionais

A vida começa a voltar à normalidade no Egito, apesar de os protestos contra o governo continuarem a reunir multidões, principalmente no Cairo. Os bancos voltaram a funcionar. Muitas grandes empresas também retomaram suas operações. E o toque de recolher passou a durar menos.

Ontem, o governo realizou sua primeira reunião com os ministros recém-empossados e anunciou aumento de 15% no salário de setores do funcionalismo público e nas aposentadorias - numa clara tentativa de enfraquecer a mobilização popular pela queda do regime de Hosni Mubarak iniciada no dia 25. Outra promessa foi manter os subsídios aos alimentos, cruciais para a população de mais baixa renda.

Desde 1981 no poder, Mubarak rejeita a principal exigência dos manifestantes: deixar o cargo antes das eleições presidenciais de setembro, sob o argumento de que isso levaria o país ao caos.

No domingo, o governo se reuniu pela primeira vez com grupos opositores para discutir o próximos passos da política nacional. O impasse, no entanto, perdura. A maior e mais bem estruturada organização de oposição do país, a Irmandade Muçulmana, disse ontem que poderá deixar as conversações se o governo não atender às demandas da oposição, incluindo a imediata renúncia de Mubarak.

Mesmo com o impasse, com as manifestações que ontem entraram em eu 14º dia e com a incerteza que continua a imperar no país mais populoso do mundo árabe, os egípcios estão retomando - ou tentando retomar - a rotina de antes da ebulição contra o governo de Mubarak.

Os bancos reabriram depois de uma semana fechados, ainda que com uma limitação de horário e de saques. Muitas agências ficaram lotadas. E no país cuja moeda teve a maior desvalorização dos últimos seis anos, o Tesouro conseguiu produzir ontem uma boa notícia: levantou US$ 2,2 bilhões com a venda de títulos públicos, o que foi interpretado por alguns como um sinal de que apesar das incertezas, o Egito volta a gozar de certa confiança por parte dos investidores.

A visão menos otimista foi apresentada pelo porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs. Segundo ele, os Estados Unidos estão preocupados com a fuga de capitais do Egito e com os eventuais impactos da crise.

"Obviamente estamos preocupados com o capital que pode sair", disse. "Continuamos avaliando que impacto todos esses eventos poderão, no fim das contas, ter sobre a recuperação econômica global", acrescentou ele, afirmando que até agora não há nada que indique qualquer paralisação no Canal de Suez, via marítima vital para a comercialização de petróleo.

Assim como os bancos, o comércio voltou a abrir suas portas para um grande número de clientes. Motoristas enfrentam de novo o inferno dos congestionamentos na capital egípcia.

Várias grandes empresas também trabalhavam ontem quase normalmente. O toque de recolher está um pouco mais curto: em vez de vigorar das 17h às 7h, passou a valer das 20h às 6h. Embora estivesse sendo furado por muitos manifestantes, a restrição vinha atrapalhando o ritmo de muitas famílias empresas.

As escolas permanecem fechadas nas maiores cidades e a bolsa de valores só deve voltar a operar no próximo domingo.

Muitos egípcios, entre eles participantes das manifestações que se multiplicaram do Cairo para outras cidades do país nas últimas duas semanas, têm dito que querem logo voltar ao trabalho. E que começam a se preocupar com os efeitos da crise política sobre a economia. O repentino enfraquecimento da indústria do turismo, setor responsável por cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB), é algo que chama a atenção dos egípcios e bate no bolso de parte significativa dos trabalhadores.

Na Praça Tahrir, centro dos protestos no Cairo, os manifestantes prometem não arredar pé até que Mubarak abandone a Presidência. E tentam organizar outros grandes protestos quinta e sexta-feiras. Ontem militares procuraram limitar a área ocupada pelos manifestantes para melhorar o tráfego de carros.