Título: Novos desafios para a regulação bancária
Autor: Moraes, Alfredo
Fonte: Valor Econômico, 08/02/2011, Opinião, p. A12

O G-20, grupo das 19 principais economias mais a União Europeia, reunido em Seul, em novembro do ano passado, endossou as recomendações de revisão do Acordo de Basileia 2, elaboradas pelo Comitê da Basileia. Atendendo a demanda do G-20, o desafio do Comitê era formular propostas de regulação financeira com o intuito de evitar a repetição de episódios como o da crise financeira de 2007/08.

O novo Acordo, que vem sendo denominado de Basileia 3, se consubstancia em uma série de propostas que podem ser segregadas em três grandes blocos: o primeiro, de medidas voltadas para o endurecimento das regras existentes; o segundo, focado na implementação de novas exigências; e, finalmente, o terceiro, reforçando a amplitude da função do supervisor bancário.

No bloco das novas exigências, merecem destaque o reforço na qualidade do capital regulatório, que passa a ter foco no "tier 1" - capital em ações (ou equivalente), lucros retidos e provisões de natureza similar -, com o aumento do coeficiente deste capital de 4,5% para 6%; e a introdução de adicional de capital por meio de amortecedores - de conservação (2,5%) e anticíclico (a ser fixado em momentos de crescimento substancial do crédito). A não implementação dos amortecedores não afeta a operação dos bancos, mas a sua capacidade de distribuição de resultados (bônus e dividendos).

Outra novidade é a preocupação com o acompanhamento da liquidez, vislumbrada na proposição de criação de duas novas medidas de risco: a taxa de cobertura de liquidez, para identificar o montante de ativos líquidos capaz de fazer frente a saídas de caixa por um período de 30 dias; e a taxa de financiamento líquido estável, que viria a ser uma medida de descasamento de maturidades entre ativos e passivos, ou seja, da capacidade de financiamento da instituição.

Por fim, vale destacar a proposição de criação da taxa de alavancagem, em princípio de 3%, paralela aos coeficientes de capital ponderados pelo risco, que funcionaria como uma medida suplementar para evitar erros de medida de risco.

A ampliação do papel dos supervisores é significativa e um desafio do Acordo de Basileia 3. Os reguladores e supervisores terão que lidar com os novos riscos identificados a partir da crise financeira e avaliar a adequação da política de remuneração de executivos de instituições financeiras. Além disso, aprovar modelos e métodos de mensuração de risco das instituições financeiras, estabelecer exigências de capital acima do mínimo estabelecido no Acordo, e fixar multiplicadores para o cálculo do valor em risco (VaR), entre outros parâmetros, conforme a adequação em cada país.

Capitalização elevada não é sinônimo de alta liquidez, esta sim fundamental para acomodar incertezas

Salvo algumas inovações, este conjunto de propostas em boa parte repete o paradigma anterior ao atribuir ao montante de capital dos acionistas a função de métrica principal a partir da qual é construído todo o conjunto de limites operacionais com vistas a salvaguardar a integridade das instituições financeiras. Por mais que pareça e seja intuitivo, alto nível de capitalização não é sinônimo de alta liquidez, esta sim fundamental para acomodar incertezas. Da mesma forma, alta participação de recursos próprios vis a vis o de terceiros não melhorara a expectativa de suporte e de resiliência do negócio quando exposto a perdas não esperadas significativas.

A alta fragmentação e mobilidade que o mercado de capitais permite aos acionistas acabou com a figura de um investidor comprometido com o socorro de uma empresa aparentemente inviável. Na eminência de perda, acionistas e outros credores indistintamente correm para a porta de saída; e, se todos pendem para o mesmo lado, o barco (banco) vira (quebra).

Outra polêmica ainda pendente de melhor solução é encontrar meios de fazer valer a regra de que quem arrisca deve aguentar, sem chance de contaminação de proporções sistêmicas, os ônus do risco que incorreu.

O conceito vigente de que alguns negócios são essenciais demais para subitamente serem descontinuados, ou que perdas de um conjunto amplo de investidores contaminariam em cascata um grupo significativo de atividades correlatas, criou este monstro que é uma empresa financeira que, dada a repercussão do seu insucesso, deve ser blindada pelo regulador.

A sensação de segurança trazida pela regulação diminui o medo da perda, e investidores confiantes em uma norma generalista e pouco customizada para situações específicas dispensam a cautela requerida, enfraquecendo o pilar da disciplina de mercado, elemento fundamental a ajustar compromissos, condutas e posturas no nível micro.

Embora Basileia 3 traga avanços importantes, aparando arestas e cobrindo lacunas na revisão que promove nos Acordos anteriores, deve-se reconhecer que ainda existem importantes desafios e dilemas a serem enfrentados que exigirão esforços dos reguladores, inclusive no sentido da equalização de pesos entre os diferentes países, além de fortes ajustes de parte de instituições financeiras, na tentativa de se evitar a ocorrência de distorções como as que levaram à crise financeira de 2007/08, sem que se comprometa o ambiente de recuperação macroeconômica e dos mercados financeiros mundiais.