Título: Políticas dos EUA sustentam solidez global, diz Geithner
Autor: Geithner, Timothy
Fonte: Valor Econômico, 08/02/2011, Especial, p. A14

As políticas adotadas pelos Estados Unidos, entre elas as medidas de afrouxamento monetário quantitativo, têm sido fundamentais para a maior solidez da economia global nos últimos meses, disse ontem o secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, rebatendo a ideia de que as iniciativas americanas tenham causado a recente valorização do câmbio em vários países emergentes, como o Brasil. "Nós mantemos a política de dólar forte e nunca vamos enfraquecer a taxa de câmbio para obter vantagens em relação a outros países", afirmou Geithner em entrevista concedida ao Valor, depois de participar de um debate na Fundação Getulio Vargas (FGV).

"O mundo está numa posição muito mais sólida do que estava há seis ou 12 meses, em parte porque os EUA ajudaram a promover uma expansão mais forte, evitando o risco de uma nova recessão por um longo período, em que os mercados tenham que antecipar o risco de deflação", disse o secretário do Tesouro.

Para ele, um dos motivos para a pressão sobre as moedas de países emergentes como o Brasil vêm da política de países que mantêm o câmbio rígido - caso da China. Geithner disse acreditar, porém, que os chineses vão mudar a sua política, o que já começou a ser feito, ainda que de modo bastante gradual. Ele vê um poderoso incentivo para isso - o interesse próprio dos chineses. Permitir a apreciação do yuan é um dos mecanismos para o país asiático seguir uma estratégia de crescimento mais ligada à demanda doméstica.

Ele não se mostrou preocupado com o impacto inflacionário da alta dos preços de commodities nos EUA e seu eventual impacto sobre a economia mundial. Geithner lembrou que o mundo se encontra em diversos estágios de aquecimento da atividade econômica. Enquanto nos países emergentes há um crescimento forte, com pressões sobre os preços, os desenvolvidos ainda têm uma expansão bastante tímida, com desemprego alto e ampla capacidade ociosa.

Geithner disse que considera o momento favorável ao relançamento das negociações comerciais da Rodada Doha. "Brasil, China e Índia têm um desempenho econômico muito forte, e essas grandes economias, como os EUA, têm um imperioso interesse estratégico em garantir que a economia global continue aberta."

Antes do evento na FGV, Geithner participou de um café da manhã com empresários e economistas no Hotel Renaissance. Estiveram presentes, entre outros, os presidentes da Embraer, Frederico Curado, da Coteminas, Josué Gomes da Silva, do Citibank, Gustavo Marín, do BTG Pactual, André Esteves, da GM Brasil, Denise Johnson, e da Ford Mercosul, Marcos Oliveira, além do ex-ministro Antonio Delfim Netto e do diretor da Bradesco Asset Management, Joaquim Levy. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Muitos analistas dizem que os preços de commodities podem pressionar a inflação e levar os EUA a reverter a sua política monetária. Esse é um perigo real?

Tim Geithner: Eu nunca falo sobre a política monetária americana, então deixe-me responder do seguinte modo. As economias estão em condições muito diferentes agora. Há partes do mundo crescendo rapidamente, vendo a inflação se acelerar de novo, começando a tomar as respostas necessárias para conter os riscos inflacionários. Isso é necessário e apropriado. Há outras partes do mundo, como EUA, Europa e Japão, ainda a maior fatia da atividade global, em que o crescimento é mais lento e ainda há hiatos muito grandes entre o potencial produtivo da economia e o emprego da força de trabalho. Isso cria tipos muito diferentes de respostas de políticas pelo mundo. Minha impressão é que, para as maiores economias como um todo, a inflação ainda está baixa, com uma taxa modesta, o que deve continuar por um longo tempo. Nós tivemos crises mais profundas do que nos mercados emergentes. Com isso, haverá um maior período de tempo para se reempregar todas as pessoas que perderam o emprego e o potencial produtivo da economia. De algum modo, isso vai mitigar o risco de que as pressões que se veem em alguns preços de commodities e as pressões inflacionárias em algumas economias se espalhem de modo mais generalizado pelo mundo todo.

Valor: O FMI e alguns economistas destacam o fato de que a ausência de um plano fiscal crível de médio e longo prazo pode elevar os juros americanos, causando problemas sérios à economia global. O sr. se preocupa com isso?

Geithner: Eu estou preocupado e qualquer americano deve se preocupar com isso. Você verá quando o presidente dos EUA propuser o seu orçamento, na semana que vem, o desenho de uma trajetória crível de médio prazo para restaurar a sustentabilidade fiscal. O desafio para os EUA é fazer isso de maneira a preservar a nossa capacidade de fazer os investimentos necessários em educação, inovação e infraestrutura. Temos que nos preocupar com os fundamentos de longo prazo do crescimento. Temos que garantir essas reformas de um modo que não afetem a sustentabilidade da expansão, porque se ela fosse afetada isso seria ruim para a economia global, e não apenas para os EUA. O presidente acredita, como eu, que o crescimento futuro dos EUA vai depender de nossa capacidade de demonstrar, não só para os investidores americanos, mas de todo mundo, que o sistema político americano será capaz de tomar as decisões necessárias para garantir uma trajetória fiscal sustentável.

Valor: O sr. realmente acha que a China vai permitir a valorização de sua moeda? Quais são os incentivos para eles fazerem isso?

Geithner: O incentivo é o interesse próprio. Eles estão permitindo a valorização do câmbio e a moeda está se apreciando mais rapidamente em termos reais, em relação ao dólar, por exemplo, porque a inflação na China é muito maior que nos EUA. Isso está acontecendo e eles estão fazendo porque realmente não têm alternativa. Para ser bem sucedido em uma estratégia de crescimento que dependa mais da demanda doméstica e do consumo, é importante que o câmbio se mova, para reforçar esse processo. Isso também é importante para conter os riscos de inflação e os riscos de bolhas de crédito e de ativos. O câmbio está se movendo gradualmente agora.

"Nós nunca vamos enfraquecer a taxa de câmbio para obter vantagens em relação a outros países"

Valor: Os chineses costumam fazer tudo muito gradualmente. É possível que o Brasil e EUA os pressionem nessa direção?

Geithner: Olhe para a China nos últimos 30 anos. Eles foram excepcionalmente empenhados e agressivos em sua agenda de reformas. A China não fica normalmente ao lado dos gradualistas nessas coisas. Esse é um dos motivos pelos quais eu estou tão confiante de que eles vão se decidir a se mover. Mas, como sugere a sua pergunta, nós temos interesses comuns com o Brasil e muitas outras economias emergentes nesse desafio. Temos trabalhado juntos para garantir que encorajamos as mudanças não apenas na China, mas em outras economias emergentes, que deixariam o Brasil um pouco menos vulnerável às pressões dos mercados globais.

Valor: Mesmo se não fosse essa a intenção, o afrouxamento quantitativo pressionou as moedas de países emergentes. O Brasil é vítima de operações de carry trade e tem os juros mais altos do mundo. Há algum fim à vista dessa política?

Geithner: Como eu disse, eu não faço comentários sobre a política monetária americana. Mas é importante reconhecer algumas coisas sobre os Estados Unidos. Nós temos um sistema de câmbio totalmente flexível. Nós mantemos a política de dólar forte e nunca vamos enfraquecer a taxa de câmbio para obter vantagens em relação a outros países. É muito importante para o mundo que os EUA sejam bem sucedidos em reparar os estragos causados pela crise. O mundo está numa posição muito mais sólida do que estava há seis ou 12 meses, em parte porque os EUA ajudaram a promover uma expansão mais forte, evitando o risco de uma nova recessão por um longo período, em que os mercados tenham que antecipar o risco de deflação. As políticas nos EUA foram direcionadas para garantir que se consiga consertar os estragos, oferecendo as bases para uma expansão sustentável. Se você pensar no que as coisas mudaram nos últimos seis meses, há muito mais confiança em relação aos fundamentos americanos e em relação à sustentabilidade da expansão global do que há seis meses. É verdade que desafios surgiram com crescimento rápido em algumas partes do mundo, mas nós estaríamos numa situação muito pior se nós não tivéssemos sido capazes nos EUA de fazer as mudanças nas políticas que reforçaram a recuperação da economia.

Valor: Os EUA e outros membros do G-20 acreditam que agora é o momento de recomeçar as conversas sobre a Rodada Doha. Quando a economia global estava em boa forma, as conversações foram de um impasse a outro. Por que agora elas podem ser bem sucedidas?

Geithner: Não sei se elas serão bem sucedidas, mas acho que nós devemos tentar. Nós estamos em melhores condições agora do que em qualquer momento dos últimos três anos. A economia global está definitivamente se tornando mais forte. Brasil, China e Índia têm um desempenho econômico muito forte, e essas grandes economias, como os EUA, têm um imperioso interesse estratégico em garantir que a economia global continue aberta. Acho que é do interesse das maiores economias criar as condições para o avanço. O Brasil será muito importante, e é óbvio que o que os EUA fizerem também será. É importante encontrar um caminho que desperte mais otimismo, que melhore os incentivos para que outros países também se movam.

Valor: O Brasil disse recentemente a representantes da União Europeia que, devido à perda de competitividade da indústria, causada pela valorização do câmbio, não é possível oferecer agora todas as concessões que seriam possíveis em outras circunstâncias. Este argumento pode ser usado por muitos países. Não um sinal de que não é o momento apropriado para se tratar de Doha?

Geithner: O Brasil, como todo mundo, tem que olhar para um horizonte sobre o que vai ser importante daqui a cinco, dez, quinze anos. Os interesses econômicos do Brasil são muito dependentes de o país ser capaz de aproveitar a vantagem de uma economia global mais aberta como um todo. Acho que isso é fundamentalmente o que vai guiá-lo, como ocorreu no passado, quando houve negociações bem sucedidas.

Valor: Os EUA estão preparados para fazer novas concessões para relançar as conversas sobre Doha?

Geithner: Essas são conversas multilaterais. Elas requerem, por sua natureza, um balanço de concessões. O importante é que tentemos nos mover agora.