Título: Mercado vê sinal positivo, mas não muda cenário de juro
Autor: Romero, Cristiano; Otoni, Luciana
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2011, Brasil, p. A3

Economistas de bancos e consultorias viram os cortes de gastos anunciados ontem pelo governo como um sinal positivo, mas não a ponto de levá-los a projetar um ciclo menos intenso de alta dos juros. O cumprimento da meta de superávit primário de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) ainda é visto como improvável por grande parte dos analistas, embora haja quem veja o número como possível se as reduções de despesas de R$ 50 bilhões forem de fato implementadas e as receitas ajudarem.

Para o economista Rafael Bistafa, da Rosenberg & Associados, o anúncio dos cortes foi uma "boa carta de intenção", por indicar um rumo contracionista para a política fiscal num cenário de inflação em alta. A questão é saber se o que foi divulgado será efetivamente implementado, observa ele, lembrando que a credibilidade fiscal do governo foi abalada pela condução das contas públicas em 2010. As despesas subiram muito e a meta de superávit primário, de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), não foi cumprida, mesmo com a União recorrendo a várias manobras contábeis. Bistafa manteve a projeção de uma economia para pagar juros (o superávit primário) de 2,85% do PIB, o que representa, segundo ele, um esforço fiscal razoável. Sem contar o impacto da operação de capitalização da Petrobras sobre a receita, o resultado de 2010 foi de 1,9% do PIB, e não de 2,78% do PIB. Bistafa trabalha com mais duas altas de 0,5 ponto para a Selic, o que levaria a taxa para 12,25%, e com mais medidas de restrição ao crédito.

O economista Felipe Salto, da Tendências Consultoria Integrada, diz que o anúncio foi positivo, embora fosse mais crível se acompanhado por maior detalhamento dos cortes. Ele acredita que a magnitude é factível, observando que pode haver uma economia de até R$ 7 bilhões em gastos com pessoal, com o adiamento de reajustes e de contratações. Cortar outros R$ 43 bilhões de um total de R$ 202 bilhões de despesas discricionárias - número que aparece no Projeto de Lei Orçamentária de 2011 - é algo razoável, diz ele. Salto manteve por ora a projeção de um superávit primário de 2,6% do PIB para este ano, mas diz que a estimativa tem "viés de alta". O cumprimento da meta de 3% do PIB já não lhe parece impossível. Quanto aos juros, ele continua a apostar em mais três altas de 0,5 ponto para a Selic. "Mas, se o corte for concentrado de fato em despesas de custeio, pode permitir um aperto monetário menos expressivo."

Para o economista Maurício Molan, do Santander, os cortes anunciados ontem são os possíveis dentro das limitações do orçamento. "Um número mais alto não seria crível." A questão é que, para Molan, a política fiscal não será suficiente para evitar uma alta da Selic para 13% neste ano, dadas as pressões inflacionárias. Ele acredita que o superávit primário ficará em 2,5% do PIB. Não descarta, porém, que a meta de 3% do PIB seja cumprida com a ajuda da inflação mais alta, que eleva as receitas. Em vez de as contas públicas colaborarem para segurar a inflação, a inflação é que contribuiria para o cumprimento da meta fiscal.