Título: China enfrenta inflação e pressão para mudar câmbio
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2011, Opinião, p. A12

Nem bem o longo feriado do ano novo lunar terminou e o banco central chinês anunciou a elevação dos juros. Foi o terceiro aumento em cinco meses, destinado a esfriar a tendência de alta da inflação. Mas o movimento tem impacto também no câmbio e pode contribuir para apreciar o yuan, como vem pressionando países emergentes e economias avançadas.

Não parece acaso o fato de o Pequim elevar o juro exatamente dez dias antes da reunião do G-20, em Paris, onde dois dos principais assunto em discussão certamente serão a política chinesa de câmbio desvalorizado e seu impacto no comércio internacional. Ainda nesta semana, o secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, não poupou esforços para convencer as autoridades brasileiras que o câmbio rígido chinês é que está pressionando o real. Em visita ao país, oficialmente para preparar a vinda do presidente Barack Obama, em março, Geithner aproveitou para atrair o apoio do Brasil para as posições americanas na reunião do G-20.

Outras medidas chinesas de aperto de liquidez também ocorreram em momentos de maior pressão americana. O primeiro aumento do juro desde a crise internacional ocorreu em outubro, na sequência do debate que começou em setembro no Congresso americano em torno da qualificação de Pequim como manipuladora do câmbio. O outro aumento foi em dezembro, um pouco antes da visita do presidente chinês Hu Jintao a Washington, em janeiro. Também um pouco antes da viagem do presidente Hu, o banco central chinês apertou o recolhimento compulsório dos bancos pela sétima vez desde 2010, em meio ponto, para 19%, em uma manobra igualmente destinada a esfriar as pressões inflacionárias.

Com o aumento dos juros desta semana, a taxa de referência dos empréstimos e dos depósitos de um ano subiu 0,25 ponto, para 6,06% e 3% ao ano, respectivamente.

Se a intenção do governo chinês com o aperto monetário é conter a alta dos preços, o consumo e o crédito, terá que ser mais agressivo porque a inflação está correndo na frente, tornando o juro negativo em alguns prazos.

A inflação chinesa começou a ganhar corpo no ano passado, impulsionada pelo aumento da demanda doméstica, elevação das commodities e expansão monetária promovida para amenizar o impacto da crise.

Mesmo tendo fechado 2010 em 3,3%, acima da meta de 3%, o índice de preços ao consumidor chegou ao pico de 5,1% em 12 meses, em novembro, a maior taxa em 28 meses, recuou para 4,6% em dezembro, mas deve ter voltado a subir em janeiro. Estima-se que a inflação pode ter chegado a 5,3% em doze meses, em janeiro. Desde o fim dos anos 1990, a inflação chinesa não atingia o patamar de 5%. Uma das principais preocupações do governo é o aumento dos alimentos, que foi de 7,2% em 2010, pelo potencial de estrago junto à população de baixa renda.

Sinal de que os juros precisam de mais ajustes é a expansão do crédito. O governo pretendia segurar a concessão de crédito em 7,5 trilhões de yuans (US$ 1,1 trilhão) no ano passado, mas ela chegou a 7,95 trilhões de yuans (US$ 1,25 trilhão), colocando mais lenha na bolha imobiliária chinesa.

O outro lado da moeda é que as medidas de aperto monetário põem alguma velocidade na apreciação do yuan, que já subiu um pouquinho, ontem, na reabertura dos mercados, após a nova elevação do juro, de 6,586 por dólar para 6,585 por dólar.

Desde que a China anunciou a volta de uma política cambial mais flexível, em junho, o yuan se valorizou 3,6% em termos nominais em relação ao dólar. Mas, como bem lembrou Geithner em entrevista ao Valor, a apreciação em termos reais do yuan em relação ao dólar é maior porque a inflação chinesa está subindo e atingiu um patamar superior ao da inflação americana. Geithner não forneceu números. Mas o "think thank" americano Peterson Institute for International Economics calcula que a valorização real do yuan em relação ao dólar é de pelo menos 5% nos últimos sete meses, desde que as autoridades chinesas deixaram a moeda se apreciar, equivalente a 10% a 12% em termos anuais.

A China continua atuando no mercado de câmbio, empilhando reservas internacionais já próximas de US$ 3 trilhões, para limitar a valorização do yuan. Em relação às outras moedas, que é o que interessa mais ao Brasil, o Peterson não vê a mesma variação real, em parte por causa do diferencial de inflação, e em parte pelo movimento da moeda em si. O dólar tem caído em relação a outras moedas também.