Título: Expandir a geração de energia com baixa emissão de carbono
Autor: Hauser, Philipp
Fonte: Valor Econômico, 11/02/2011, Opinião, p. A14

A conferência das Nações Unidas sobre a política global do clima realizada em Cancún, México, no fim de 2010, consolidou as políticas nacionais de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) que haviam sido definidas em resposta ao acordo de Copenhague. Baseadas no princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, as metas de redução dos países industrializados devem ser quantitativas e obrigatórias, enquanto países em desenvolvimento definiram atividades de mitigação de cunho voluntário.

Dessa forma, a política assumida pelo Brasil é reduzir em até 38,9% o volume de emissões projetadas para 2020, apoiada pela ampliação dos mecanismos de transferência financeira e tecnológica e com base na continuidade do Protocolo de Kyoto e do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

A necessidade de restringir as emissões deve ser discutida à luz da expansão econômica que se espera para o Brasil. Para sustentar esse crescimento, projeta-se que a demanda por eletricidade vai triplicar até o ano 2030, gerando a necessidade de investimentos no sistema na ordem de R$ 30 bilhões por ano. Como conciliar a expansão da geração de energia elétrica com o objetivo de minimizar as emissões de GEE?

O Brasil se destaca por possuir uma matriz de geração elétrica limpa, baseada na participação de grandes hidrelétricas construídas pelo governo brasileiro antes deste século, a partir de critérios e circunstâncias diferentes dos atuais.

Em contraponto, desde a instituição do novo marco regulatório, em março de 2004, até o final de 2008, observa-se que 58% da energia contratada pelo sistema provêm de 10 GW de capacidade de geração a base de combustíveis fósseis. No mesmo período, 7 GW de capacidade renovável foram impulsionados pelo MDL, sendo que 2,5 GW já obtiveram registro nas Nações Unidas. Conclui-se que o MDL foi importante para contrabalançar a expansão térmica, mas não foi capaz de garantir a expansão limpa da matriz. Já em 2007, o governo se preocupou em elaborar uma política que concilie segurança energética, modicidade tarifária e a questão climática. O resultado foi o planejamento direcionado dos leilões de energia e a definição de financiamento diferenciadas pelo BNDES, visando promover energias limpas com taxas e prazos adequados.

A base da estratégia estabelecida é o desenvolvimento do potencial hidroelétrico da região Norte, única alternativa capaz de atender o crescimento da demanda sem recorrer às fontes fósseis. Ela se baseou na concepção de hidrelétricas a fio d"água, de forma a minimizar a área de reservatório e equacionar demandas e preocupações socioambientais. Superados os desafios tecnológicos por meio de projetos e turbinas adequadas, e definidas as condições de financiamento específicas para atender a grande intensidade de capital e o longo prazo de amortização, foi possível realizar os empreendimentos do Rio Madeira, sem os quais a necessidade de contratação de termelétricas teria sido ainda maior.

No entanto, a opção por plantas sem reservatório aumenta o risco sistêmico de fornecimento em um cenário hidrológico desfavorável, tornando a termoeletricidade um complemento natural no âmbito dessa estratégia. Por outro lado, a bioeletricidade e a energia eólica representam alternativas promissoras por serem complementares ao ciclo hidrológico. Com base nessa premissa, o planejamento energético buscou viabilizar essas fontes, culminando na contratação de 3,8 GW de energia eólica e abrindo a porta para que o sistema hidrotérmico tradicional seja substituído por um portfólio de energias renováveis.

Apesar de engenhosa, essa estratégia envolve elevados custos. Primeiramente, o desenvolvimento das fontes renováveis espalhadas pelo país implica em altos investimentos para a ampliação da rede de transmissão. Segundo, o baixo fator de carga e a variabilidade dos recursos naturais requerem a instalação de capacidade excessiva.

A evolução desse cenário ainda é incerta, mas o fato de a política de expansão limpa ter sido estabelecida na Lei nº 12.187/09, que estabelece a Política Nacional de Mudanças Climáticas, mostra que o Brasil tem a firme intenção de perseguir o caminho da expansão renovável.

Neste contexto, é essencial que o MDL continue apoiando a sustentabilidade econômica dos esforços nacionais e dos projetos de energias renováveis. É importante conciliar de maneira eficaz os instrumentos da política nacional e do MDL, intensificando a participação do Brasil no mercado internacional do carbono. Os fundamentos para esta conciliação virtuosa existem e foram consolidados pelas decisões de Cancún. O MDL reconhece que políticas nacionais que incentivem tecnologias limpas devam ser apoiadas e, paralelamente, a Política Nacional das Mudanças do Clima define o MDL como importante instrumento na complementação dos esforços brasileiros.

A sinergia entre os instrumentos citados maximizaria os resultados almejados pelo Brasil, além de reduzir os custos econômicos não apenas para o país, mas também o custo global do combate às mudanças do clima. Apesar dos desafios inerentes, a opção pelo desenvolvimento limpo do Brasil é crucial para uma trajetória limpa global, merecendo, portanto, o apoio da comunidade internacional. As experiências a serem ganhas podem nos levar a decisões e mecanismos mais eficientes que se esperam da próxima conferência em Durban, na África do Sul.