Título: As vantagens de comprar a briga pelo mínimo de R$ 545
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2011, Opinião, p. A14

Existem algumas razões para a decisão do governo Dilma Rousseff, de bancar uma queda de braço na Câmara para aprovar o salário mínimo de R$ 545, sem os acréscimos a que se empenham as centrais sindicais e partidos aliados, por razões corporativas e eleitorais, e parcela do PMDB, na sua conhecida estratégia de início de governo de mostrar quem manda no Congresso. A primeira delas é que decisões firmes na área fiscal podem desarmar nuvens de expectativas desfavoráveis que se formam, em razão do aumento da inflação. É melhor acertar a casa no início do governo e deixar para ser generoso perto do período eleitoral - e a próxima disputa, municipal, ocorrerá apenas em 2012. Mas, mais do que isso, trata-se de estabelecer, nas relações entre os partidos da coalizão governista, termos de convivência entre Executivo e Legislativo que definam o que diferencia o governo Dilma de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.

Lula é um hábil negociador e, durante seus oito anos de governo, pagou o preço de derrotas, ou negociou além de sua vontade e possibilidades do momento, por absoluta ojeriza ao conflito. Não parece ser o caso da presidente Dilma. Os sucessivos recuos do governo Lula, no seu segundo mandato, em favor do PMDB, contaminaram as relações entre aquele partido e o governo no resto de seu segundo mandato. As operações de chantagem para garantir a particulares do PMDB "bunkers" dentro da máquina administrativa tiveram êxito suficiente para colocar o governo constantemente em maus lençóis. O então deputado Ciro Gomes (PSB-CE) tinha razão quando apontava o dedo acusador para as excessivas concessões feitas a pemedebistas de má fama. É alentador ver a presidente Dilma, por exemplo, negando ao deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) seu antigo reduto na Eletrobras, numa reação à chantagem pública feita pelo parlamentar ao novo governo.

Não chega a ser ruim que Dilma tenha optado por medir forças na primeira votação importante do Congresso. Com uma ampla maioria e uma oposição raquítica, as chances de mostrar ao PMDB que precisa mais do que chantagens, nessa conjuntura, para emplacar os seus interesses, é bastante grande. Coloca as negociações em outro nível.

O PMDB é grande, mas a base governista é muito maior que o partido. O governo certamente não poderá contar com o PDT na empreitada de manter o mínimo em R$ 545, mas ainda assim garante a votação em bloco dos petistas com o fechamento de posição da bancada e tem a seu favor o fato de que os velhos líderes do PMDB na Câmara não tiveram tempo suficiente para cooptar os novos parlamentares, que chegam ao Congresso mais com a ajuda de líderes regionais beneficiados pelo governo Lula do que propriamente por obra das lideranças nacionais do partido que se abrigam principalmente no Legislativo. A completa desidratação do PMDB paulista também retira da Câmara um foco de dissidência. No Senado, a consolidação das lideranças de José Sarney (MA) e Renan Calheiros (AL) e a redução da bancada oposicionista, à qual se uniam senadores do PMDB que não apoiavam o governo, parecem ter estabilizado o quadro favoravelmente a Dilma.

O governo também conta, nesse período, com a desestabilização do DEM, agora um pequeno partido, e as articulações internas para migração de parte dele para o PMDB ou a criação de um novo partido que englobe a sua maioria. A tendência é que essa faixa de oposição amacie o discurso em relação ao governo e tente mais o caminho da negociação do que do confronto - até porque, ironicamente, a parte mais dura desse núcleo é ligada à bancada ruralista, que trafegou de forma muito confortável pelo governo Lula, pois mantinham sempre um aliado como ministro da Agricultura, mas serão obrigados neste governo a um novo tipo de relacionamento com o titular da pasta, sob pena de jogarem suas conquistas no lixo.

Não é uma situação ruim à presidente Dilma, mesmo que os cálculos de seus articuladores sejam desmentidos pela pressão das centrais sindicais no Congresso e a sua proposta de aumento do salário venha a ser derrotada (o que será muito difícil). Se for aprovado um mínimo maior de R$ 545, a presidente, pelo menos, terá como mapear, nos primeiros meses de governo, quais as áreas de fragilidade de sua base parlamentar.