Título: SulAmérica se reinventa pós-BB
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2011, Finanças, p. C1

De Rio Quando divulgar o balanço no dia 24, a SulAmérica Seguros e Previdência pretende tranquilizar o mercado, os clientes, fornecedores e corretores. Mais que uma evolução positiva das vendas e dos lucros, os números vão mostrar que o fim da sociedade com o Banco do Brasil (BB) em duas empresas - Brasil Veículos e Brasil Saúde -, processo que começou há cerca de dois anos, não causou grandes estragos. Temia-se que a perda de acesso à maior rede de distribuição bancária do país, com mais de 12 mil pontos em praticamente todos os municípios, diminuísse muito a capacidade de distribuição da SulAmérica. Pelas últimas estimativas da área de análise setorial da Fator Corretora, a seguradora deve registrar um volume de receitas totais da ordem de R$ 2,462 bilhões no quarto trimestre de 2010, com crescimento de quase 62% comparado ao mesmo período de 2009. O lucro líquido estimado em R$ 159,2 milhões nos últimos três meses do ano, se confirmado neste patamar, significará um crescimento de 34% em relação ao resultado em igual período de 2009. A lucratividade sobre a receita, entretanto, parece declinante.

"A saída do banco não fez nenhuma diferença", disse ao Valor Thomaz Cabral Menezes, o administrador de empresas de 46 anos que há um ano assumiu o comando da companhia. Menezes tem tentado passar essa segurança a corretores, investidores e analistas de investimentos em sucessivas reuniões em seu primeiro ano de gestão. Profissionais que participaram desses encontros relatam ter ouvido a seguinte avaliação: a associação com o BB representava aproximadamente 30% do faturamento do grupo, porém, apenas 10% do lucro, por isso os efeitos da dissolução não são irreparáveis.

Embora reconheça o exagero da frase "não fez nenhuma diferença", Menezes destacou as parcerias com instituições financeiras de distintos perfis que podem compensar a falta do BB. "Temos mais de vinte parcerias, representando mais de 16 mil pontos de venda, quase 28 milhões de clientes."

Mas o fato é que o fim da parceria com o BB tornou a SulAmérica uma seguradora menos diversificada. Se antes atuava em vários ramos, agora os planos de saúde representam 70% do seu negócio, os automóveis, 25%, e apenas 5% são outros ramos.

O analista Carlos Macedo, responsável pelo setor de seguros para a Goldman Sachs no país, afirma que estar concentrado no mercado de planos de saúde não é exatamente a melhor posição que uma seguradora poderia almejar, uma vez que o setor é altamente regulado e controlado pelo governo via Agência Nacional de Saúde. No entanto, diz Macedo, a SulAmérica está bem posicionada em saúde, tem uma marca centenária. Em seu último relatório, o analista mostra que as dez maiores operadoras e seguradoras - num total de 102 - respondem por apenas 55% dos segurados. A tendência, diz Macedo, é de consolidação porque a regulamentação do setor está mudando para exigir mais capital. Ele espera que, nos próximos dez anos, as cinco maiores empresas tomem 75% dos clientes. A SulAmérica está, neste cenário, na posição de compradora, com 3% a 4% do mercado hoje, equivalente a dois milhões de segurados, comparado a 5,6 milhões da Amil e 3,5 milhões da Bradesco Saúde, suas principais concorrentes.

Quinto presidente da SulAmérica desde que foi fundada no fim do século XIX, Menezes tomou o leme em abril das mãos de Patrick Larragoiti Lucas, herdeiro em quinta geração da família espanhola que fundou a companhia. Larragoiti assumiu o comando em 2005 em um momento muito difícil. A empresa estava endividada, o patrimônio líquido era negativo em 12%, as vendas estavam em baixa e o resultado era um prejuízo de R$ 38,8 milhões. Depois de renegociar a dívida, capitalizar a empresa e apaziguar a relação com os sócios do ING, por fim em 2010 o herdeiro retirou-se entregando o comando a um profissional. Menezes, garimpado por "head hunters" no mercado, tinha passado os últimos 23 anos de sua vida na filial brasileira da Marsh, a maior corretora internacional de seguros e gerenciadora de riscos do mundo.

Na entrevista ao Valor, Menezes contou que seus primeiros passos foram "revisão total do planejamento estratégico, revalidação do posicionamento da marca e uma reorganização interna". Do ponto de vista estratégico, ficou decidido que a companhia será focada no varejo, com seguros de saúde, auto, vida e previdência e residencial. Também haverá uma ação na carteira de transportes e de médio mercado (empresas pequenas e médias). "A companhia decidiu reduzir sua participação em grandes riscos", disse Menezes, confirmando informação que já circulava desde o ano passado. "Não queremos a obra do Maracanã, essa deixamos para os especialistas. Mas queremos tudo o que está em volta das grandes obras, as pessoas, as empresas fornecedoras e clientes, os funcionários dessas empresas".

O vice-presidente comercial da seguradora, Matias de Avila, diz que a missão é fortalecer a marca SulAmérica, passando a ideia de uma marca multiproduto, reconhecida pela "seriedade e ética e confiança" e que nunca vai deixar o cliente na mão quando ele mais precisa, um bordão obrigatório quando se fala em seguros. Para isso, concluem os executivos, a marca tem que ser a preferida dos corretores que são agora o principal canal de distribuição da SulAmérica. São 28 mil corretores cadastrados, dos quais 18 mil são ativos vendedores de seguros da empresa. Menezes diz que essa é uma "vantagem competitiva" da SulAmérica porque quase a totalidade das vendas são feitas diretamente por esta rede de corretores.

Quando chegou à SulAmerica em abril de 2010, Menezes enfrentou a saída de dois dos principais executivos da companhia: Marcus Vinícius Martins e Carlos Alberto Trindade Filho. "Eles se sentiram desestimulados por terem dedicado tantos anos à empresa e quando vagou o posto de CEO, Patrick trouxe um executivo de fora da organização", comentou um veterano corretor muito próximo à empresa. Procurados pela reportagem do Valor, Trindade negou que tenham discordado da indicação de Menezes e disse que saiu porque tinha novos desafios. Martins preferiu não comentar.

Menezes aproveitou então para reformular a estrutura de comando. Foram criadas uma diretoria dedicada aos canais financeiros e outra de afinidades, voltada para a comercialização de seguros massificados. Em agosto de 2010, foi contratado Matias Avila para a direção comercial e o contato direto com os corretores. Com mais de 30 anos de mercado segurador e passagens pela AGF e a Liberty, seguradoras não ligadas a bancos, Matias aprendeu a falar o "idioma" dos corretores como poucos.

Para melhorar o "tráfego" de informações e negócios entre os corretores e a companhia, Menezes promoveu uma redução dos níveis hierárquicos de direção de quatro para dois. "Todos os executivos têm contrato de gestão com metas e avaliação", diz o CEO.

As 70 filiais passaram a ser comandadas por seis regionais. "Ficamos mais próximos dos corretores, agilizando a tomada de decisões, fator fundamental em um mercado altamente competitivo", afirmou Matias de Avila.

A partir daí, Menezes deu início à ampliação da presença física para retomada de "market share". Em 2010 foram abertas 20 novas sucursais que se somaram a outras 35 já existentes, totalizando 55. A previsão é abrir mais dez em 2011 e cinco em 2012. Menezes diz que a reestruturação pela qual a empresa passou no início da década, que inquestionavelmente era necessária para reequilibrar a companhia financeiramente, teve um efeito colateral negativo que foi a perda de espaço (para a concorrência) em praças importantes no interior de São Paulo (como Franca, Sorocaba, Americana e São José dos Campos), Santa Catarina (Joinville) e Paraná (Londrina), com o fechamento de sucursais.

Com quase R$ 1 bilhão em caixa, dinheiro do IPO e da recuperação das vendas nos últimos quatro anos, a empresa fez alguns investimentos e dobrou os dividendos a pagar aos acionistas nos exercícios de 2010, 2011 e 2012. "Os recursos restantes estão mantidos em caixa aguardando oportunidades estratégicas", informou a empresa.

A SulAmérica investiu mais de R$ 50 milhões em 2010, principalmente de olho no setor de automóveis, que, embora componha apenas um quarto das receitas da companhia, é o "filé mignon" do mercado segurador brasileiro. A SulAmérica quer retomar a posição que tinha em automóveis quando compartilhava a Brasil Veículos com o BB. E no quesito "market share" a perda foi grande.