Título: Gol Ganha com governo Omisso
Autor: Braga, Fernando
Fonte: Correio Braziliense, 05/08/2010, Economia, p. 14/15

Depois de cinco dias de descaso, a Anac sai da toca e aplica multa irrisória de R$ 2 milhões à empresa pelo caos aéreo e diz que falhas foram só falta de sorte

Somente depois de cinco dias em que o caos aéreo voltou a assombrar a vida de quem utiliza os serviços de transporte aéreo no Brasil, a presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Solange Paiva Vieira, finalmente falou sobre o problema. Após muita pressão da opinião pública, a chefe do órgão regulador saiu da toca, rompeu o silêncio e declarou que a companhia aérea Gol terá que pagar uma multa de R$ 2 milhões valor irrisório perto da receita operacional bruta de R$ 6,4 bilhões em 2009 pela confusão gerada nos principais aeroportos do país desde o último fim de semana.

A Anac também interveio na empresa por meio de uma auditoria para verificar como a aérea está sanando os problemas de escala da tripulação. Proibiu também que a companhia opere novos voos fretados até que a situação se normalize. Atualmente, a Gol faz cerca de 600 fretamentos por mês, no valor médio de R$ 150 mil. Apesar de as razões da atual crise terem sido identificadas em dois fatores previsíveis mudanças na escala dos tripulantes e um mês em que o tráfego era especialmente intenso em razão do grande movimento de voos procedentes de destinos turísticos , Solange esquivou-se e disse que era impossível ter identificado previamente os problemas.

De acordo com um levantamento apresentado pela Anac, a Gol fez 130 voos fretados durante o último fim de semana, 15 a menos do que no mesmo período do ano anterior. Esse foi um caso específico que poderia ter acontecido em qualquer momento. Foi uma falta de sorte de todo mundo, alegou, atribuindo o problema ao acaso.

A presidente da agência disse ter esperanças de que a proposta do plano de ação que obrigou a Gol remanejar cinco aviões Boeing 767 utilizados em fretamento consiga minimizar os transtornos. Acho que foi um caso isolado, mas não podemos dizer que não vai acontecer de novo, declarou. A multa é necessária, mas não é o melhor mecanismo para punir uma empresa. Acredito que as restrições de operação pesem mais no orçamento, disse.

Silêncio do ministro No entanto, não foi só a presidente da agência que permaneceu na inércia, quando os passageiros do setor aéreo brasileiro sofriam nos aeroportos. Durante todo o problema, a única manifestação do Ministério da Defesa deu-se por meio de uma nota, onde a pasta afirmou que tinha total confiança no trabalho da Anac. Diante do silêncio do ministro Nelson Jobim, a Anac trouxe a responsabilidade para si. Quem tem que dar explicações sobre situações como essa sou eu, acrescentou Solange, afirmando não ter se manifestado antes porque estava levantando dados que permitissem entender o que se passava.

Segundo ela, Jobim informou-se diariamente sobre o caos provocado pela Gol. Seu comportamento foi importante para caracterizar a independência política da Anac, completou. Porém, na bola dividida sobre quem deveria chamar a responsabilidade para si, o passageiro mais uma vez acabou pagando o pato.

Diante dos problemas gerados pela companhia aérea e da demora para as principais autoridades do setor mostrarem serviço, o Ministério Público Federal (MPF) também resolveu se mexer. Enviou um ofício aos presidentes da Gol, da Anac e ao Diretor de Operações da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) pedindo esclarecimentos sobre a atual confusão dos aeroportos. O MPF pediu informações à companhia sobre os problemas que ocasionaram os atrasos. Quer saber também detalhes das ações tomadas para solucionar a questão de forma definitiva. Já à agência e à Infraero, questionou as medidas emergenciais adotadas durante a crise, além daquelas que virão a ser aplicadas para corrigir as falhas no futuro.

O número R$ 6,4 bilhões Total da receita operacional bruta da Gol apurada durante todo o ano de 2009

Apreensão no turismo

Não são somente os passageiros do serviço aéreo brasileiro que estão apreensivos com a volta da enxurrada de atrasos e cancelamentos de voos. O setor de turismo também teme que o filme do caos aéreo vivido pelo país no fim de 2006 se repita com a nova onda de confusões que se instaurou nos aeroportos desde o último fim de semana e acabe afetando os negócios do segmento. Segundo a Associação Brasileira de Agência de Viagens (Abav), no verão de 2007, pico da crise, o movimento do setor hoteleiro sofreu uma redução de 25%, o que significou queda de pelo menos 567 mil pacotes turísticos vendidos no país.

O presidente da Abav-DF, Carlos Vieira, admitiu que acompanha a situação com certo nervosismo. Estamos vendo (o caos) com apreensão, pois já fomos atingidos há pouco tempo e não queremos que isso se repita. Hoje, temos dois problemas: o sistema de transporte aéreo brasileiro que está trabalhando com capacidade máxima e o duopólio do mercado, que deixa o cliente sem opções, opinou. A gerente da Trips Passagens e Turismo, Ieda Ayres, disse que os novos incidentes já geraram questionamentos por clientes que desejam comprar pacotes. Muitas pessoas nos perguntam sobre a situação e lembram que não podem perder o voo. Quem vai viajar agora sabe que corre o risco, disse.

Agências em alerta O gerente da agência Bancorbrás Viagens e Turismo Luis Carlos Vanderbroock disse que, por causa dos recentes problemas, ele vai pessoalmente acompanhar hoje o embarque de um grupo de para Natal (RN). Ele é crítico quanto aos riscos vividos pelos setor. Os atrasos (dos voos) são muito perigosos e podem, sim, afetar o setor de turismo, como aconteceu em 2007. A proprietária da Girotur Turismo, França Lúcia Lima, espera que a crise seja pontual. As companhias aéreas precisam melhorar a qualidade do serviço rapidamente para que outros setores não acabem sendo atingidos.