Título: Sinais de deterioração
Autor: Hesel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 05/08/2010, Economia, p. 17

Especialistas apontam piora na qualidade da política monetária, com aumento dos gastos e do deficit nas contas públicas. Além disso, cresce a insegurança em relação ao conservadorismo do BC

A qualidade da política monetária atual adotada pelo Banco Central (BC) atravessa momentos de incertezas na opinião de especialistas, podendo até apresentar sinais de deterioração. Isso ocorre em pleno período eleitoral, com disputa crescente entre os candidatos a presidente da República. Mas essa inquietação já vem de longe, desde março, quando o mercado se assustou diante dos dados de crescimento acelerado da economia. O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre saltou 9%.

Além do superaquecimento da economia, as preocupações cresceram mais ainda diante do contínuo aumento dos gastos públicos e do deficit em conta-corrente e da falta de firmeza no combate à inflação. Hoje, já existe até um consenso de que o PIB fechará o ano com alta de 7%, patamar elevado para os padrões brasileiros.

O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, lembra que o deficit em conta-corrente acumulado em 12 meses até junho foi de R$ 40,9 bilhões. Parte desse rombo tradicionalmente é financiado por investidores que compram títulos públicos, inclusive estrangeiros, que já respondem por quase 9% do total da dívida pública mobiliária. Esse é um público descompromissado, que pode desaplicar os recursos e mandar de volta a seus países a qualquer momento.

No momento, ainda existe folga nas contas do governo com esse deficit. Mas, desde janeiro, há uma tendência de queda nos investimentos diretos no país. E, se o Tesouro dos Estados Unidos começar a aumentar os juros, haverá uma nova fuga de capital estrangeiro e o Banco Central poderá enfrentar o mesmo problema de 2005, quando precisou recomprar os títulos da dívida de longo prazo por meio de leilões, alerta Gomes, que foi diretor do BC.

Atividade menor A queda acumulada de 2% na produção industrial de abril a junho é vista como uma acomodação do crescimento, mas não chega a ser um bálsamo para a insegurança sobre os rumos da política do BC. O economista do Banco Schahin, Silvio Lopes Campos, lembra que a concessão de crédito subsidiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vem contribuindo para que o aumento da taxa básica de juros (Selic) seja inóquo. Se o deficit continuar crescendo, o próximo governo terá que lidar ainda com um aumento na volatilidade, alerta.

Outro fator de preocupação com esse desvio da política monetária do BC é a incerteza sobre os próximos passos no controle do índice de preços ao consumidor. O BC está fugindo do seu foco principal, que é o controle da inflação, argumenta o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal. Segundo ele, ao abandonar o mantra existente em todos os seus relatórios de que não se deve trocar crescimento pela inflação na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), a instituição confundiu o mercado por não deixar claro os rumos da política macroeconômica. O BC sempre teve um discurso único e, ultimamente, isso vem mudando, o que é ruim para a credibilidade do BC, diz.