Título: Deterioração da expectativa de mercado vira armadilha
Autor: Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2011, Finanças, p. C12

De São Paulo

As expectativas inflacionárias são, hoje, uma armadilha para o Banco Central. Se o BC der a entender que o mercado está correto, ele vai sancionar a piora de cenário. Se nada fizer, mas a inflação corrente não sofrer uma reversão importante, o BC poderá ser obrigado, mais adiante, a fazer um aperto monetário maior.

O alerta é feito por um dos interlocutores do Valor que reconhece que as expectativas não foram desancoradas por capricho do mercado, mas por uma coleção de eventos. Inclusive, arranhões que a credibilidade do BC sofreu em 2010 quando, segundo a maioria dos entrevistados, o BC errou na comunicação em pelo menos dois momentos. Ao insistir num cenário externo desinflacionário que não correspondia com a realidade e ao indicar, no fim de novembro, que os problemas do Banco PanAmericano teriam influenciado a desaceleração seguida da interrupção do ciclo de alta da taxa Selic.

Um experiente economista avalia que inflação de 6% no ano passado chegou até aí induzida pelo próprio governo que levou a economia brasileira a uma expansão exagerada, a partir da crise de 2008. "As medidas tomadas pelo governo foram aplaudidas por todo mundo porque são uma delícia. Reduzem impostos, dão benefícios, aumentam gastos, elevam salários. Agradam no curto prazo e trazem problemas a médio prazo. O ano eleitoral de 2010 também é relevante porque incentivou o governo a prolongar os estímulos. Não havia interesse de nenhum dos players em rever os estímulos. O presidente da República tinha interesse primordial em fazer sua sucessora, o governo estava envolvido na eleição e até mesmo o BC estava em mudança."

Avaliando a inflação, esse economista acrescenta que, além do processo eleitoral, um novo governo - seja qual for - sempre gera desconfiança. O candidato que se torna titular tende a ser testado. As suas escolhas também. "No caso atual, a situação piora porque, não importa a razão, temos o mesmo ministro da Fazenda que foi responsável e fez tudo o que podia para manter uma política expansionista. E agora ele mesmo, que não parece convencido dos cortes, é responsável por essa execução. Todos sabemos que é difícil convencer alguém se você não está convencido do seu próprio papel. Hoje está evidente, que seria mais eficiente para angariar credibilidade se tivesse ocorrido mudança em participantes do ministério que poderia, sim, ser do mesmo partido ou da mesma corrente de pensamento. Manter o ministro da Fazenda por erro de diagnóstico ou opção tem seu preço. E estamos confirmando isso agora."

O Brasil padece de um outro problema que afeta a credibilidade do BC, comenta a fonte. "Tem gente que chama de autonomia ou independência, mas a pedra no sapato do BC é realmente a inexistência de mandatos com prazos diferenciados para presidente e diretores frente ao mandato da Presidência da República."

Os interlocutores do Valor rejeitam a ideia de que um corte maior no Orçamento, a ser detalhado pelo governo, arrefeceria as expectativas inflacionárias. "O corte anunciado superou as expectativas, mas não resolve a questão da inflação", comenta um dos profissionais. "A sinalização fiscal é positiva, mas coordenar expectativas de inflação é outra história", diz uma das fontes. "Hoje é completa a ausência de sinalização clara do BC de que ele perseguirá a meta de inflação a ferro e fogo. Essa sinalização é importante e o timing das decisões ainda mais importante. Alguém pode pensar que o mercado nunca está contente e só quer juro. Não é verdade. Existe incerteza quanto aos efeitos das medidas macroprudenciais porque seu poder como instrumento é desconhecido. O BC pode até estar certo, mas ninguém sabe. Não há histórico. Portanto, é difícil jogar todas as fichas no resultado das medidas. Se não derem certo, o uso do juro acabará sendo maior", conclui a fonte. (AB)