Título: Medidas têm alvo além do aperto aqui e no exterior
Autor: Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2011, Finanças, p. C12

De São Paulo

O mercado brasileiro vê com reserva o uso de medidas macroprudenciais como complemento da política monetária, embora elas sejam aplicadas por outros países sob aplausos de analistas e operadores. Mas é um equívoco comparar as medidas recentemente tomadas no Brasil às medidas tomadas, por exemplo, pelos bancos centrais dos Estados Unidos e da China.

"Medidas macroprudenciais existem para evitar o surgimento de bolhas de ativos e não como alternativa à política de juro para combater a inflação. As medidas até podem ter esse efeito, mas não são usadas para isso. Os EUA, onde medidas têm sido tomadas após a crise de 2008, não estão com problema de inflação", explica um especialista em política monetária que alerta para o fato de a taxa de juro ser o instrumento que viabiliza o regime de metas de inflação. "Juro não deve ser visto como uma preferência do mercado, mas um instrumento que remete à boa prática de gestão monetária e que, no Brasil, foi o principal responsável pelo ganho de credibilidade institucional do BC", diz.

Os EUA, já no segundo afrouxamento monetário quantitativo, sofreram uma megacrise financeira. E quando um país passa por uma crise, diz outro economista, o caminho natural é recorrer a medidas não convencionais. A ortodoxia funciona bem, mas em tempos de normalidade. E a crise de 2008, que levou à súbita paralisação do mercado interbancário. O Federal Reserve levou o juro a zero e prover liquidez aos mercados tornou-se prioridade. Os americanos passaram, portanto, a fazer política monetária por instrumentos quantitativos - expansão de moeda - para evitar recessão ou o seu aprofundamento. Em algum momento, os EUA voltarão à normalidade monetária e haverá o enxugamento da liquidez. O passo adiante será o uso da taxa de juro.

"A China, que usa fartamente ajustes de compulsório para tentar esfriar a economia e controlar a inflação via demanda, tem um cardápio diferente de gestão monetária. Apesar das mudanças e reformas que ocorrem no país, a economia funciona de forma híbrida. E não é nada parecido com o que conhecemos como economia emergente", diz outra fonte.

Ela explica que a China tem o sistema financeiro dominado por instituições públicas. Não há livre mercado financeiro. "O juro é controlado e a quantidade de moeda também. E, dado o controle intenso das atividades financeiras, o BC chinês usa instrumentos diversos para conter a inflação: juro, compulsório e telefone. Expansão exagerada ou indevida de crédito é contida por telefonemas de autoridades monetárias aos dirigentes das instituições", relata o especialista que alerta para a dificuldade de identificar o juro adequado ao país. "No sistema totalmente controlado, como saber qual é o juro correto? É difícil calcular."

Os especialistas garantem que as medidas macroprudenciais têm, sim, um papel porque corrigem excessos que devem ser freados porque serem encubadores de riscos, para os quais o uso da taxa de juro torna-se ineficiente. Exemplo no Brasil: financiamentos de automóveis que deslanchavam sem qualquer sensibilidade à elevação do juro básico, uma vez que os bancos estavam relaxando em outros critérios além do juro. Nesse caso, os prazos dos financiamentos que diluíam o tamanho das prestações.

Em dezembro, o BC do Brasil adotou medidas macroprudenciais - aumento de compulsório bancário e de requerimento de capital para operações de crédito a pessoa física de longo prazo-- exercendo sua função regulatória que tem o objetivo de evitar instabilidade financeira. Problemas surgem quando o mercado financeiro não compreende as medidas dessa forma e sim como leniência do BC com a inflação ou opção à política de juros. Medidas macroprudenciais, insistem os especialistas, devem ser vistas como ações regulatórias, embora tenham impacto na política monetária. (AB)