Título: Inflação será teste para novo BC no 3º tri
Autor: Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 23/02/2011, Finanças, p. C12

De São Paulo

O Banco Central (BC) corre o risco de ser duramente testado quando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) flertar com 7% no terceiro trimestre. Ainda que o índice escorregue abaixo de 6% na sequência, como prevê o mercado, a percepção de credenciados economistas é de que há um processo inflacionário em curso no Brasil. É fato que inflação de 6% ao ano corresponde a uma fração do que foi visto em um só mês na década de 80. Mas, a partir da adoção do regime de metas em 1999, esse patamar aproxima-se do máximo tolerável para este ano e o próximo e provoca desordem nas expectativas e nos preços. Em meio a efeitos estatísticos, preconceitos ideológicos e eventuais prejuízos do mercado com apostas equivocadas sobre o rumo da política monetária, não se descarta alarme dentro e fora do governo em curto espaço de tempo.

No terceiro trimestre, a inflação tomará fôlego "matemático" devido à expulsão de um trimestre de dados estatísticos que pesará no cálculo do índice em 12 meses. Por volta de setembro, o IPCA acumulado perde o bônus da inflação zero registrada de junho a agosto de 2010. E a perspectiva de inflação rompendo o teto da meta, de 6,5%, exigirá empenho antecipado do BC porque elevado grau de ansiedade pode ser instalado nos mercados.

"Os sinais de desaceleração da atividade precisam ser inequívocos para que o BC escape da pressão por aumento do juro", avisa um profissional para quem o BC do Brasil tem a seu favor o fato de que praticamente todos os bancos centrais do mundo estão "atrás da curva" de juros. "Estão acomodando a inflação que em 12 meses supera a meta e cuja pressão é considerada temporária, derivada dos elevados preços das commodities", acrescenta essa fonte. Um outro entrevistado, do elenco de nove oriundos do setor financeiro privado e da academia ouvidos pelo Valor, avisa que nem todas as economias têm experiência semelhante à brasileira, de hiperinflação, e tampouco estão exibindo vigor semelhante de atividade ainda que em desaceleração.

A maioria dos entrevistados pelo Valor vê com preocupação o fato de o BC privilegiar a inflação corrente, colocando em posição que consideram secundária a piora das expectativas. Nos próximos 10 dias, porém, o calendário de indicadores tende a ajudar o BC, que poderá potencializar os resultados a favor de prognósticos de menor ajuste de juro para a convergência da inflação para a meta. Este ano é considerado perdido. Mas 2012 ainda não. Amanhã sai o balanço do crédito no país em janeiro e dados parciais de fevereiro. Uma semana depois, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresenta o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do quarto trimestre de 2010.

Quem considera formação de expectativa informação vital no controle da inflação corrente espera que o BC aproveite a oportunidade para alardear os dados do crédito, calculando que deverão reafirmar que as medidas macroprudenciais tomadas pelo BC em dezembro aumentarão a eficácia da política monetária. A mesma oportunidade é vista quanto à divulgação do resultado do PIB, na semana que vem, embora o dado seja apresentado no dia seguinte à próxima decisão do Comitê de Política Monetária sobre o juro.

Sobre o crédito, pesquisa de um grande banco indica que os financiamentos às pessoas físicas com prazo superior a 49 meses caíram de quase 50% do total das operações do sistema para menos de 35% de novembro a meados de fevereiro. Também sob impacto das medidas macroprudenciais, a fatia dos financiamentos com prazo até 24 meses cresceu de aproximadamente 20% para quase 30% no mesmo período. Esse efeito sanfona em relação aos prazos se deve à exigência do BC para que os bancos interessados em emprestar para pessoas físicas em prazo superior a 24 meses praticamente dobrem o capital requerido.

A expansão das operações de crédito mais curtas pode ser vista como sinal de que nem todos os bancos estão dispostos a bancar capital para viabilizar os empréstimos. E a consequência do encurtamento dos prazos ou a concentração das operações em prazos menores livra os bancos da exigência maior de capital pelo BC. Para os consumidores, os prazos menores implicam valores mais elevados das prestações. E esse resultado é o efeito da medida macroprudencial potencializando a política monetária porque os financiamentos mais curtos são mais sensíveis aos movimentos do juro básico coordenados pelo Copom, auxiliando o BC no objetivo de desaquecer a demanda e segurar a inflação. "A ideia é essa mesma", avalia um dos entrevistados. "Usar medida macroprudencial para amarrar prazos e fazer com que o aumento de juro tenha efeito".

O desaquecimento do PIB no quarto trimestre, a ser confirmado pelo IBGE, já foi sinalizado pelo índice de atividade do Banco Central (IBC-Br) divulgado na semana passada. O IBC-Br cresceu 0,3% em dezembro, levando a taxa de expansão trimestral a 1% ao final do quarto trimestre. Confirmada essa variação, em 3 de março, o crescimento econômico será ligeiramente inferior ao que é considerado potencial pela maior parte do mercado - cerca de 4,5% ao ano. Assim, o ritmo da atividade não teria ocasionado pressão sobre o hiato do produto e, consequentemente, sobre a inflação, no quarto trimestre.

Para a maioria dos profissionais consultados sobre expectativas inflacionárias, política monetária e o trabalho do BC, bons resultados das medidas macroprudenciais e atividade enfraquecendo colaboram para que o BC pegue leve com a taxa de juro, inclusive, por estar mais alinhado ao Ministério da Fazenda que - pilotado pelo ministro Guido Mantega - resiste às elevações da taxa Selic e ao encarecimento do crédito. "É difícil avaliar no momento se esse alinhamento é para o bem ou para o mal, mas ele existe", comenta um dos entrevistados, "e seria muito bom perceber também a influência do BC no discurso da Fazenda. Por ora, o que se vê é o contrário. Vemos o ministro Mantega, por exemplo, falando que a inflação é temporária e o BC dizendo o mesmo, ainda que com outras palavras". Outro interlocutor considera, contudo, que o fato de o presidente do BC, Alexandre Tombini, ter bom trânsito na Fazenda e no Planalto "não é solução para todos os problemas, mas é condição importante na hora de tomar decisões que precisam de suporte político".