Título: Portugal está reagindo bem à crise da dívida, diz ministro
Autor: Santos, Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 24/02/2011, Especial, p. A18

Para reagir à crise que envolveu a dívida pública portuguesa, o governo do primeiro-ministro José Sócrates espera o apoio do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) ou mesmo do Fundo Monetário Internacional (FMI). O ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, foi a Bruxelas semana passada para se reunir com seus colegas da zona do euro, mas lá ficou decidido que o FEEF só será reforçado em ¿ 500 milhões em 2013, frustrando a expectativa do governo português. Em Lisboa, o Valor procurou o ministro para detalhar essa a estratégia. Teixeira dos Santos respondeu à entrevista por email. Veja a íntegra com o texto do português de Portugal.

Valor: Portugal precisa renovar um volume expressivo de sua dívida pública e 75% disso estão em mãos de investidores não portugueses como fundos soberanos de outros países, entre outros. Portugal já realizou uma renovação com sucesso. E agora, quais são as perspectivas?

Fernando Teixeira dos Santos: Portugal tem este ano cerca de ¿ 20 mil milhões [bilhões] de necessidades de financiamento de médio e de longo prazo, o que representa menos cerca de ¿ 5 mil milhões [bilhões], ou seja uma redução de 20% face às necessidades de 2010.

Trata-se de um valor relativamente pequeno quando comparado com os cerca de ¿ 600 mil milhões [bilhões] que a Itália, França e Alemanha necessitam para este mesmo ano.

A redução de 20% face às necessidades do ano passado revela bem o esforço que o governo tem colocado na consolidação das contas públicas e também os resultados práticos que esse esforço está já a ter em virtude da diminuição do déficit orçamental.

Por outro lado e apesar de estarmos ainda no meio de fevereiro, este ano já financiamos cerca de ¿ 6 mil milhões, ou seja, cerca de 30% das necessidades de médio e de longo prazo totais do ano. Mais de dois terços desse financiamento continua a vir de investidores estrangeiros e, apesar do muito ruído que se sente nos mercados, não temos notado restrições do lado da procura quando do acesso aos mesmos. Estamos assim a prosseguir com o nosso plano, ou seja, firmes na redução do déficit orçamental e dando continuidade às reformas estruturais necessárias para reforço da competitividade, e promovendo as exportações e o empreendedorismo.

Quanto ao programa de financiamento manteremos a estratégia de diversificação da base de investidores e privilegiaremos o financiamento através do mercado. De qualquer modo, o prazo médio de vencimento da nossa divida é de cerca de seis anos, e a taxa de juro implícita é de cerca de 3,6%, o que compara com cerca de 3,5% na zona do euro. São por isso indicadores que evidenciam capacidade de resistência face às difíceis condições que enfrentamos atualmente nos mercados internacionais, para cuja regularização é essencial uma solução europeia clara, rápida e eficaz.

Valor: Como o governo está planejando realizar o ajuste fiscal? Pelo que se sabe, se não o fizer Portugal continuará precisando de muitos financiamentos para cobrir o seu déficit orçamentário.

Teixeira dos Santos: No ano passado reduzimos o nosso déficit mais de dois pontos percentuais do PIB. Uma das maiores reduções da zona do euro, mas também uma das mais fortes na OCDE como um todo. Teremos assim fechado 2010 com um déficit claramente abaixo dos 7,3%. Reduzimos o déficit sem comprometer o crescimento, que foi de 1,4%, o dobro do previsto.

Este ano, prevemos reduzir o déficit para 4,6% do PIB. Uma vez mais, uma redução significativa. Apesar de apresentarmos um nível de déficit em linha com a zona do euro, apresentamos um dos esforços de redução mais ambiciosos no contexto do euro.

Dois terços da redução vêm de medidas do lado da despesa, como o corte dos salários da função pública (5% em média mas que chega aos 16% no caso dos dirigentes), congelamento das pensões e outros gastos sociais. O outro terço vem de aumento de receitas e de redução de incentivos tributários (despesa fiscal). Entre 2005 e 2007 reduzimos o deficit de mais e 6% para menos de 3%. Sabemos como fazê-lo pois já o fizemos, e estamos a fazê-lo de novo.

Valor: Os políticos estão reagindo às medidas para reduzir custos e até há quem avalie que o governo não tenha estratégia para recuperar o pais. Qual a sua avaliação?

Teixeira dos Santos: As medidas que estamos a tomar têm como objetivo reduzir os desequilíbrios orçamentais, mas também dar continuidade às reformas estruturais, como a da segurança social, a da lei do trabalho, a da educação e formação profissional, a da energia, a da inovação e desenvolvimento, etc., que este governo tem vindo a implementar desde 2005 com vista a reforçar a competitividade internacional do país.

A verdade é que nos últimos anos a nossa competitividade internacional tem melhorado e o resultado está à vista com as exportações a crescerem mais de 15% e as empresas a ganharem quota de mercado. Isso é particularmente evidente com as exportações para fora da zona do euro, onde Portugal foi dos países que mais cresceram na última década, fruto do esforço de diversificação.

Valor: Como o governo português reagiu ao fato de o Brasil não ter se disposto a comprar títulos da dívida portuguesa?

Teixeira dos Santos: Os governos brasileiro e português são muito próximos e têm trabalhado em conjunto em diversas matérias de interesse mútuo. Temos séculos de trabalho próximo. A nossa ambição é aprofundar relações em três domínios importantes: comercial, investimento e financeiro. E isso tem estado a acontecer.

Portugal e Brasil estarão sempre lado a lado, apoiando-se reciprocamente, em todos os momentos, sejam eles mais ou menos difíceis.

Valor: No ano passado a economia portuguesa praticamente encolheu. Quais são as estimativas para 2011? A estratégia é crescer as exportações. Como?

Teixeira dos Santos: Na verdade no ano passado a economia Portuguesa não encolheu. Pelo contrário, cresceu 1,4%, valor bem próximo da média da zona do euro.

Este valor foi o dobro do valor inicialmente previsto pelo governo e cerca de três a quatro vezes superior ao consenso dos organismos internacionais.

Para 2011 a previsão adiantada em outubro passado foi de um crescimento de 0,2%. Uma desaceleração face à 2010 em virtude do impacto contracionista que a redução dos salários, o congelamento das pensões e o aumento de impostos terá na procura doméstica. Uma desaceleração que se considera será mitigada pelo bom desempenho do sector exportador.

Estamos a ajudar as nossas empresas a estarem presentes no Brasil, em África e na Ásia e Médio Oriente, i.e. nas regiões onde a economia está a crescer mais, mas estamos também a apoiar as empresas a se tornarem mais competitivas, através da redução da burocracia, da promoção da investigação e do desenvolvimento, na internacionalização da nossa educação, da flexibilização do mercado laboral, ou dos apoios à promoção nos mercados externos, exercendo o que é conhecido como diplomacia econômica.

O crescimento das exportações tem passado muito pelos mercados fora da Europa, cujo peso no total das exportações é hoje cerca dobro do que era há 10 anos, sem todavia comprometer as exportações largamente maioritárias para a UE. Globalmente cresceram em 2010 mais de 15%. Os dados sobre as encomendas para 2011 permitem igualmente antever um forte crescimento em 2011.

Valor: O governo português está entusiasmado com as descobertas do pré-sal (duas empresas portuguesas, a Galp e a Partex são sócias da Petrobras)? A entrada da PT na Oi e o pré-sal ajudarão Portugal no futuro a equilibrar as contas?

Teixeira dos Santos: Sendo Portugal uma pequena economia aberta, a internacionalização das suas empresas é fundamental. As empresas portuguesas têm feito progressos significativos nesse sentido. Os investimentos no Brasil são, por isso, importantes também, a par da atração de investimento estrangeiro em Portugal. Atrair e reter capitais é essencial. O futuro de Portugal passa por isso pelas exportações e pela internacionalização da economia. Os exemplos que referiu são muito bons e vão precisamente no sentido que acabo de referir.