Título: Milagre econômico no país não garante vitória política
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2011, Internacional, p. A12

Nenhum outro país latino-americano está mudando para melhor tão rapidamente quanto o Peru. Na década de 2001 a 2010, a economia peruana cresceu a uma taxa média anual de 5,7%, mais que qualquer outro país. Nos últimos cinco anos, o crescimento acelerou a uma média anual de 7,2%. Tudo isso aconteceu com inflação baixa. A proporção dos peruanos que vivem na pobreza caiu de 55%, em 2001, para 35% em 2009; nesse ano, só 11,5% viviam em pobreza extrema, contra com 24,4% em 2001. A distribuição de renda tem se tornado menos desigual.

"Perseverança na adoção de políticas macroeconômicas prudentes, liberalização econômica e boa sorte [ou seja, o boom das commodities] estão por trás deste resultado", segundo recente relatório de Fritz Du Bois e Roberto Abusada, da Global Source Partners, uma consultoria. Eles acreditam que o Peru poderá manter esse crescimento por mais uma década.

Assim, seria de esperar que Alan García, o presidente nos últimos cinco anos, seria não apenas muito popular, mas que na eleição peruana em abril também poderia, como o colombiano Álvaro Uribe e brasileiro Lula, assegurar a vitória do candidato de sua preferência.

Nada disso: numa pesquisa da Universidade Católica no início de fevereiro, só 27% dos entrevistados aprovaram García, ao passo que 67% o desaprovaram. E Mercedes Araos, ex-ministra das Finanças e candidata presidencial independente pelo partido Apra, de García, desistiu da candidatura no mês passado, após aparecer com só apenas 3% das intenções de voto.

O que explica esse paradoxo? Os eleitores dão pouco crédito a García pelo sucesso de seu país. Ele só venceu em 2006 porque uma estreita maioria considerou-o "el mal menor" frente a Ollanta Humala, um populista ex-oficial do Exército. Seu governo agiu com lentidão no sentido de ampliar gastos sociais e projetos de infraestrutura, e García é, muitas vezes, arrogante. Acima de tudo, seu partido, o Apra, é identificado, na percepção popular, com corrupção (Araos desistiu, em parte, porque se opôs à inclusão de políticos acusados de corrupção na lista de candidatos do partido ao Congresso).

Os peruanos têm tido pouca fé em seus políticos desde os anos 80, quando a economia entrou em colapso - uma catástrofe agravada pela violência terrorista do Sendero Luminoso e pelas políticas populistas de Alan García em seu primeiro mandato. O êxito econômico veio de mãos dadas com incoerência política. Alberto Fujimori conquistou popularidade na década de 90, mas seu governo autoritário disseminou corrupção e destruiu o sistema político democrático. A democracia foi restaurada sob Alejandro Toledo e foram estabelecidos os fundamentos do crescimento econômico. Mas Toledo foi impopular durante grande parte da sua presidência (2001-2006), seu índice de aprovação caiu para apenas 8%, antes voltar a subir para cerca de 40%. Isso, em parte, deveu-se a seus fracassos pessoais (ele era amplamente percebido como mulherengo e preguiçoso).

Agora Toledo lidera as pesquisas de intenção de voto que antecedem as eleições em abril, com cerca de 30% de apoio. Os eleitores peruanos frequentemente criam surpresas de última hora. Mas o resultado mais provável é que Toledo vencerá num segundo turno, seja contra a filha de Fujimori, Keiko, ou contra Humala (que está tentando se reinventar como centrista, num sinal do sucesso das políticas econômicas liberais no Peru).

Toledo é uma garantia de continuidade em política econômica. Mas o Peru também necessita reformas democráticas. Os gastos sociais per capita no Peru triplicaram em termos reais desde 1990, mas continuam abaixo da média latino-americana. O sistema judicial não puniu a corrupção. Educação e regulamentação ambiental são, ambas, deficientes. As instituições políticas não conseguem canalizar o descontentamento.

Cabe à sociedade peruana, e não ao Estado, forjar partidos políticos mais coerentes. Mas o governo poderia ajudar, mediante reformas constitucionais e políticas. No longo prazo, tais mudanças serão tão importantes para o desenvolvimento do Peru quanto crescimento econômico continuado.