Título: Interesses nacionais freiam avanço em reunião do G-20
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2011, Internacional, p. A13

Autoridades econômicas dos principais países concordaram no sábado, na reunião do G-20 em Paris, em usar uma série de parâmetros macroeconômicos como forma de medir a situação de equilíbrio (ou desequilíbrio) da economia global. Por pressão da China, o tamanho das reservas internacionais ficou de fora desses parâmetros, mas Pequim acabou cedendo e aceitou indiretamente o uso de taxas de câmbio. O acordo, porém, não terá impacto imediato nas políticas econômicas dos países, nem reduzirá o risco de guerra cambial e comercial.

O Brasil teve uma posição pragmática em relação à China no G-20, mas aparentemente confundiu certos membros do grupo na negociação para atacar problemas de câmbio e comércio.

Na longa e dura negociação em Paris, o Brasil não apoiou os Estados Unidos e nem se alinhou automaticamente à China, mas tampouco ficou claramente contra a insistência de Pequim de recusar o uso da taxa de câmbio como indicador de desequilíbrio na economia mundial, pelo menos na percepção de alguns membros.

O ministro de Finanças da Itália, Giulio Tremonti, deu entrevista apontando a China e o Brasil como os países que rejeitavam a taxa de câmbio como indicador e insinuando que ambos bloqueavam um acordo. Alguns jornalistas italianos, surpresos, já que os dois países tem realidades cambiais diferentes, checaram de novo com o porta-voz de Tremonti para saber se ele errara ao mencionar o Brasil. A resposta foi que era isso mesmo.

Já o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou, depois da negociação, que o Brasil chegou "a um acordo de colocar os vários indicadores que interessavam ao Brasil" Segundo Mantega, "o principal para nós era a inclusão de contas externas, taxas de câmbio". Ou seja, exatamente o que Pequim tentou rejeitar.

Um negociador brasileiro disse que a realidade na negociação foi refletida na fala de Mantega. Ele observou que Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, coordenaram posição previamente, mas sem representar uma aliança integral, justamente por divergências, como no uso da taxa de câmbio como indicador para avaliar os desequilíbrios econômicos. Em outros temas, as divergências também são evidentes entre os emergentes.

A questão, porém, é de percepção entre os membros do G-20. Um negociador latino, que pediu para não ser identificado, disse ter ficado "claro" que o Brasil era contra uso do câmbio. Um alemão admitiu não ter entendido o que o país queria. Um terceiro afirmou ter entendido nas discussões técnicas que China, Brasil, Indonésia, Coreia do Sul, Argentina e África do Sul se opuseram, enquanto Estados Unidos, Alemanha e o Banco Central Europeu queriam mencionar explicitamente o câmbio.

A negociação do comunicado final dos ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais das principais economias desenvolvidas e emergentes bateu um recorde, começando às 20h da sexta-feira e terminando às 10h30 da manhã do dia seguinte. O documento foi depois revisado de novo pelos ministros, refletindo o confronto.

No fim, saiu uma lista de indicadores de metas quantitativas, limitando a futura avaliação das políticas: dívida pública e déficit fiscal, poupança e dívida privadas, desequilíbrio externo composto de balança comercial e fluxo líquido de renda de investimentos e transferências (sobretudo remessas de trabalhadores).

A China conseguiu evitar referencia a "contas correntes". E a taxa de câmbio entrou para ser submetida ao escrutínio internacional através de uma sutileza de linguagem burocrática típica desse tipo de negociação, com os ministros dizendo que serão "levadas em devida consideração" as políticas cambial, fiscal, monetária e outras políticas. Em certo momento, a referencia à taxa de câmbio saiu do texto, mas foi reintroduzida por insistência de Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha.

Um negociador brasileiro considerou o resultado sobre câmbio melhor que o obtido pelos assessores ao longo da noite. O Brasil insistiu para que os desequilíbrios globais não fossem abordados, dando ênfase em câmbio ou situação dos emergentes, mas também sobre as politicas monetária, fiscal e fragilidade das instituições financeiras de países ricos.

O acordo de Paris basicamente mantém andando o processo de negociação de um arcabouço para avaliação mútua das políticas econômicas. Mas não tem impacto no curto nem no médio prazos. A disputa por fatias de mercado e o risco de guerra cambial continuam.

Para Mantega, a existência dos indicadores não tem consequência imediata, mas serve para ilustrar "alguns desequilíbrios externos e confirmar que existe guerra cambial, países com câmbio mais desvalorizado que outros". Para um negociador, o Brasil vai continuar criticando os EUA e a China por causa de políticas que mantêm as moedas subvalorizadas.

No G-20, ficou também de fora o uso de reservas internacionais para indicar desequilíbrio econômico, aceitando a posição da China, que não quer nem ouvir falar de limites ou "volume adequado" para suas reservas, próximas de US$ 3 trilhões. O Brasil teve posição idêntica. Mas, no fim do G-20, negociadores admitiam que esse item não era "fundamental" ao país, pois as reservas são consideradas adequadas em relação ao PIB.

O jogo sobre câmbio no G-20 é realmente entre Estados Unidos, país com o maior déficit comercial, e China, com o maior superávit e moeda desvalorizada. O pano de fundo no confronto é quem vai pagar mais a fatura do processo de ajuste da economia mundial.

Pequim indicou que pode mudar seu modelo de desenvolvimento, baseado nas exportações, por uma economia mais voltada ao seu gigantesco mercado doméstico. Mas o presidente do Banco Central chinês, Zhou Xiaochuan, avisou que "isso será lento, pode levar dez anos no mínimo".

A próxima batalha diplomática será para determinar até abril a metodologia e como os indicadores escolhidos serão utilizados. Depois, o Fundo Monetário Internacional (FMI) deverá fazer uma ampla avaliação das políticas econômicas dos membros do G-20, seguida de "recomendações" sem nenhuma obrigatoriedade. Mas a China continua querendo impedir a avaliação. Prefere ela mesmo avaliar a sua política econômica.

Sobre regulação do mercado agrícola, o Brasil e outros exportadores saíram satisfeitos com o "fim da ambiguidade" da França. O G-20 se limitará a melhorar a transparência nos mercados, incluindo regulação de derivativos de produtos agrícolas e energéticos, e nos estoques de alimentos.