Título: Política do dólar fraco vai cobrar seu preço
Autor: Campos, Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 21/02/2011, Finanças, p. C2
Ao pintar o mundo de verde com a emissão de dólares, o Fed atingiu seus três objetivos básicos. Estimulou a economia via setor externo/competitividade; instigou a valorização do mercado acionário, o que melhora a confiança do americano e sua disposição a consumir. E também afastou o fantasma da deflação, já que o excesso de liquidez foi claramente canalizado ao mercado de commodities.
No entanto, como todos bem sabem, não existe almoço grátis. A conta dessa política já começa a ser calculada. Resta saber, agora, quando a fatura será entregue.
A distorção mais evidente no momento e que pode ser o gatilho para a emissão dessa fatura correlata à política do dólar fraco é a atual "revolta das commodities".
Não causam mais surpresa as notícias de que o café testa preços não vistos em 30 anos, o cobre em máximas históricas, o trigo em níveis de preço inéditos e petróleo acima de US$ 100 dólares.
Há quem diga que essa alta no preço dos alimentos seja fator decisivo para os levantes populares que estão assolando o Oriente Médio e derrubaram os regimes da Tunísia e Egito. E é fato que os alimentos mais caros aliados ao excesso de liquidez levaram o Banco Central da China a entrar em modo de aperto monetário.
O desafio é reverter estímulos sem perder os ganhos
Já essa arrancada do preço do petróleo ajuda a explicar boa parte da firme valorização do mercado acionário americano. No último mês, o setor de energia respondeu por 27% da valorização do S&P 500, contra 9,3% dois anos atrás. Nesse mesmo interim, o setor industrial reduziu sua participação na valorização do índice acionário de 22% para 11%.
Um questionamento que pode ser feito a essa dinâmica é que sua qualidade não é das melhores. A valorização da bolsa se dá menos por fundamentos (ao menos por ora) e mais pelo excesso de liquidez e petróleo acima dos US$ 100 o barril. Os gráficos abaixo mostram a estreita correlação entre o S&P 500 e o preço do óleo tipo Brent.
É consenso de tal política de dólar fraco e suas dinâmicas adjacentes não devem durar por muito mais tempo, mas também não há certeza sobre quando isso chegará ao fim.
O que se sabe é que a liquidez sem precedentes e seu impacto sobre o preço das matérias-primas já deixou de ser um problema apenas para os emergentes.
A questão que fica em aberto e deve estar no centro das discussões do Fed é como sair dessa estratégia sem perder os resultados que ela gerou.
A reversão de expansão para retração da liquidez resultaria em uma queda acentuada no preço das commodities tiraria fôlego da bolsa, da confiança do americano e, no limite, poderia trazer de volta a temida deflação. Sem falar na perda de competitividade da economia americana, pois sempre que as matérias-primas vão para baixo, o preço do dólar vai para cima.
Outra consequência da restrição de liquidez pode aparecer na Europa, já que dinheiro mais escasso tornaria ainda mais custosa a rolagem das dívidas soberanas.
Uma boa pista do que pode acontecer vem em junho, quando acabará o programa de recompra de US$ 600 bilhões em títulos do Tesouro. Findo o programa será o que Fed seguirá estimulando a liquidez? Será que ele apenas para de injetar recursos na economia? Ou ele já acena com uma retirada de dólares de circulação? Conforme já discutido neste mesmo espaço, não há expectativa de alta de juros nos EUA até o fim de 2011, mas basta o Fed acenar com tal possibilidade para que os agentes comecem a se antecipar.
E como fica o Brasil no meio disso tudo? Commodities em baixa ajudariam o BC no controle da inflação. Por outro lado, dariam fôlego ao dólar (o que pode ser ruim para a inflação, mas atenderia a pleitos de parte do setor produtivo). Na bolsa, tal cenário de menor liquidez e menor preço de matérias-primas poderia tirar força dos carros-chefe (Petrobras, Vale e siderúrgicas). Mas como isso ajudaria a inflação e reduziria a necessidade de alta de juros, tal quadro poderia ser bem recebido pelas empresas ligadas ao setor de consumo e dependentes de crédito. Tem também a questão das contas externas, que tenderiam a ficar mais deficitárias, apreciando, também, o dólar. Agora, quem sabe dizer qual desses vetores será predominante?
No fim das contas o que vale, por ora, é uma máxima que diz o seguinte: não importa se o mercado está certo ou errado, o que importa é ganhar dinheiro com ele.