Título: Governo vê riscos para projetos de empreiteiras brasileiras na região
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 24/02/2011, Internacional, p. A14

Cautela e expectativa marcam a reação do governo brasileiro às revoltas políticas no mundo árabe. A indefinição sobre o futuro desses países, e mesmo sobre os objetivos dos grupos que contestam os governos estabelecidos, torna "apressada" e temerária qualquer manifestação, disse ao Valor o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, que, como os diplomatas, fez questão, porém, de comentar o anúncio da Liga Árabe, de suspensão da Líbia no grupo. "É sintomático", disse Garcia.

A nota do Itamaraty sobre a Líbia marcou um endurecimento no tom do Brasil em relação às ações de governos da região contra as revoltas populares. Na nota, o governo brasileiro "repudia os atos de violência" que resultaram e mortes de civis e "exorta" o governo líbio a "respeitar e garantir os direitos de livre expressão". Na presidência temporária do Conselho de Segurança da ONU, a embaixadora do Brasil, Maria Luiza Ribeiro Viotti, leu o comunicado em que o conselho exigiu o fim da violência e o diálogo com a população.

Garcia nega que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja "amigo" do ditador líbio Muamar Gadafi, como o próprio Lula chegou a dizer ao visitar Trípoli, em 2005. "Ridículo falar agora em amizade; ele falou "amigo", assim como chamou George Bush e outros chefes de Estado de companheiro", argumenta o assessor, que já ocupava o posto no governo anterior. "Ele esteve em Trípoli como esteve no Palácio do Eliseu ou em Camp David", diz Garcia, lembrando que, após a visita de Lula à Líbia, os governos ocidentais reataram relações com Gadafi, que recebeu visitas de autoridades do Reino Unido, França, Estados Unidos e Itália.

A defesa dos interesses diplomáticos, econômicos e comerciais do Brasil dependerá da feição que os países assumirem como resultado das mudanças políticas, diz Garcia. No Itamaraty, diplomatas graduados argumentam que os conflitos políticos poderão, como já acontece na Líbia, afetar seriamente obras dos governos árabes, com consequências negativas para os interesses de grandes construtoras brasileiras com contratos locais. O comércio, com grande percentual de alimentos, pode sofrer interrupções, como no Egito, mas tende a se recuperar, caso os países não entrem em crise econômica.

Garcia diz que não é possível falar em resposta brasileira à crise nos países árabes enquanto não houver maior definição sobre a situação em cada país, que difere em características políticas, sociais e religiosas. "Que peso terão questões do tipo nacionalista nesses acontecimentos? Ninguém sabe."

Além da insatisfação social por razões econômicas e de demanda por democracia, há fatores de soberania e religiosos que tornam o quadro "complexo", diz Garcia. Na Líbia, por exemplo, há risco de secessão, com o leste do país questionando a autoridade de Trípoli, o que cria o risco de guerra civil.

"O que predomina no contágio que vemos na região é a rejeição de sistemas políticos que eram conhecidos pela comunidade internacional e até patrocinados or alguns países ocidentais", diz Garcia. Ele afirma que, apesar da aproximação comercial e econômica e das iniciativas de cooperação na área cultural e política, o Brasil nunca firmou com os países hoje em revolta laços "estratégicos".

Nem Garcia nem o Itamaraty fazem projeções sobre o que pode acontecer em relação às preocupações do setor privado que, nos últimos anos, aumentou significativamente investimentos nos países da região e elevou as exportações em 34% só no ano passado, para um recorde de quase US$ 13 bilhões. O comércio total com esses países passou de quase US$ 8 bilhões em 2003 para US$ 20 bilhões no ano passado.