Título: 490,3 mil assinaturas atravancam planos de Kassab
Autor: Grabois, Ana Paula; Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2011, Política, p. A6

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, terá que correr contra o tempo para sair do DEM e criar um partido. As mudanças nessa rota estão condicionadas aos requisitos jurídicos de uma nova legenda e às negociações com o deputado federal Gabriel Chalita, favorito no PSB à sucessão municipal. Se um ou outro não avançarem, Kassab poderá até permanecer no DEM.

Nos próximos seis meses, Kassab precisará coletar quase 500 mil assinaturas, distribuídas em pelo menos nove Estados, para fundar a sigla. Para a missão, deve contar com o apoio do PSB, com que tem conversado desde o início do mês para uma futura incorporação. O partido detém os governos da Paraíba, Pernambuco, Amapá, Ceará, Piauí e Espírito Santo e tem o comando de pouco mais 300 prefeituras, concentradas no Nordeste.

Kassab pretende recolher as assinaturas em até três meses depois da convenção do DEM, em 15 de março. A criação do partido terá que ser aprovada no Tribunal Superior Eleitoral até 6 de outubro para que os filiados possam se candidatar para as eleições de 2012.

Até 30 de março, Kassab quer registrar a ata de fundação da nova sigla, provavelmente PDB, com 101 assinaturas. O estatuto do partido está em finalização. "Estamos fazendo com muito cuidado. A recomendação é para ser um partido que atraia as pessoas comuns", disse o advogado Admar Gonzaga, da equipe jurídica contratada pelo prefeito. Segundo Gonzaga, o tema da transparência interna do partido constará nas linhas gerais do estatuto.

A criação do partido tem sido vista por políticos como uma saída para a troca partidária sem a perda de mandato. De acordo com interlocutores de Kassab, parlamentares do PPS, PSDB, PP e PTB têm procurado o prefeito e oferecido adesão. Eles deverão coletar parte das 490.305 mil assinaturas necessárias, distribuídas em pelo menos um terço dos Estados, com um mínimo de 0,1% do eleitorado.

A coleta de assinaturas poderá ser reforçada nas região Sul, a partir da articulação do governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo (DEM), e Nordeste, com o vice-governador da Bahia, Otto Alencar (PP). Ambos mantêm conversas com o presidente do PSB e governador de Pernambuco, Eduardo Campos, sobre suas prováveis migrações partidárias para a nova legenda e uma eventual fusão com o PSB.

O novo partido é a principal aposta de Kassab para manter-se com chances eleitorais na disputa pelo governo de São Paulo em 2014. A ideia de deixar o DEM ganhou corpo antes mesmo das eleições do ano passado, que enfraqueceram ainda mais o partido e diminuíram o tamanho da bancada no Congresso. O prefeito encomendou estudos jurídicos para sair do DEM em setembro passado. Kassab até poderia deixar sozinho o partido sem perder o mandato, sob argumento de que o estatuto de seu partido foi modificado indevidamente pelo presidente do DEM, Rodrigo Maia, que retirou poder do conselho político previsto pelo prefeito. No entanto, ao criar um novo partido, espera ter mais influência no controle de recursos do fundo partidário e na negociação com outras legendas.

O prefeito até tentou promover a fusão do DEM com o PMDB. Foi derrotado pela maioria da cúpula dos Democratas. Ainda manteve diálogo com o PMDB, mas as conversas esfriaram depois que o vice-presidente, Michel Temer, negou-lhe o comando paulista do partido.

Com o PSB, as conversas evoluíram, embora haja desconfianças quanto à proposta de incorporação no futuro. Na terça-feira, Eduardo Campos e o vice-presidente do PSB, Roberto Amaral, estiveram na casa do prefeito. Além de aumentar a influência do PSB no maior colégio eleitoral do país, o partido de Kassab engrossaria a bancada governista no Congresso. "Essa cooperação traria 20 deputados federais para a base do governo", afirmou Amaral. O PSB ainda pretende lançar um candidato próprio ao governo de São Paulo, minando a polarização entre PSDB e PT no Estado.

Os paulistas do PSB levantam dúvidas sobre a incorporação. "Quem garante que vai haver essa incorporação se o partido que ele [Kassab] criar tornar-se grande?", questiona o presidente estadual do PSB de São Paulo, Márcio França.

No diretório de São Paulo, a negociação envolvendo Kassab esbarra na liderança de Gabriel Chalita, deputado federal eleito em 2010 com a segunda maior votação do Estado, com 560 mil votos, só atrás de Tiririca (PR). No PSB, Chalita é tido como um dos nomes mais fortes para disputar a prefeitura da capital, em 2012. Ex-tucano, deixou o PSDB contrariado com o ex-governador José Serra e é ligado ao governador do Estado, Geraldo Alckmin.

Chalita foi secretário na gestão anterior de Alckmin e influenciou indicações na atual administração, como o do secretário de Desenvolvimento Social, Paulo Barbosa, e do próprio presidente do estadual, Márcio França, para Turismo. Nos bastidores, crescem os rumores de que não haveria espaço para Chalita e Kassab no mesmo diretório e que o aliado de Alckmin teria de deixar a legenda.

Outra opção ao partido a ser criado é coligar-se com os pessebistas em 2012, diante de resistências do PSB paulista em relação à fusão. Também seria uma forma de evitar problemas na aprovação do novo partido pelos ministros do TSE.

Caso Kassab não consiga as quase 500 mil assinaturas, pode, juridicamente, permanecer no DEM. O partido espera que Kassab fique, apesar de todo o desgaste interno. O prefeito seria o candidato do DEM na disputa pelo governo paulista, em 2014. "Todo esforço que o partido faz é para ele ficar. A decisão é dele. Ele é um quadro importante na estrutura da oposição e, se deixar o partido, quem perderá em volume e qualidade será a oposição", disse o senador Agripino Maia (RN), que deve ser escolhido presidente na convenção do DEM.

"Ele poderia ficar no DEM se o partido prestigiá-lo", disse um parlamentar do DEM do grupo kassabista. O prestígio é traduzido em maior poder no comando da legenda. Kassab, contudo, foi derrotado em dois episódios recentes do DEM. Seu candidato para a liderança na Câmara, Eduardo Sciarra (PR), foi derrotado por ACM Neto (BA). Também perdeu quando o DEM escolheu chapa única para a presidência, com o nome de Agripino Maia. Kassab tinha o interesse de lançar o ex-senador Marco Maciel (PE).

Em São Paulo, desde o fim do segundo turno das eleições de 2010, o prefeito tem se movimentado em direção aos partidos da base governista, na tentativa de alinhavar uma candidatura que faça frente ao atual governador, o tucano Geraldo Alckmin. Propôs apoio ao candidato do PT nas eleições de 2012 em troca de um acordo em 2014. Parte do PT é a favor da aliança, mesmo que tácita, com o objetivo de derrotar Alckmin. Outra parte descarta qualquer tipo de aproximação com o prefeito.

Ao PCdoB, ofereceu a Secretaria Especial da Copa de 2014. O partido ficou interessado no cargo, mas as conversas estão congeladas. "Precisamos ter algo mais claro. Enquanto ele não estiver em um partido da base aliada do governo, não vamos participar do seu governo", disse o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo.