Título: Brasil-Índia, uma novela com promessa de final feliz
Autor: Riobranco, Roberto P. do
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2011, Opinião, p. A14

A incerteza econômica que paira sobre a Europa, com reflexo na alta taxa de desemprego e na turbulência do mercado financeiro em diversos países do continente, confirma uma transformação profunda na economia mundial. Pela primeira vez na história, os países emergentes receberam mais investimentos internacionais do que os ricos.

O Brasil superou até a China na taxa de expansão de investimentos diretos do exterior e, de forma inédita, está entre os dez maiores destinos de aplicação de capital no mundo, superando tradicionais economias como Japão e Itália.

Do outro lado do planeta, a Índia também vive um bom momento. O país asiático deve crescer 10% no próximo ano fiscal. Impulsionada pelo mercado interno, a economia indiana reflete uma atividade industrial expressiva.

Esse cenário favorável incentiva a intenção de multiplicar a relação comercial entre ambos os países. Em 2010, as negociações bilaterais Brasil-Índia ultrapassaram a marca de US$ 7 bilhões - a Índia exportou para o Brasil mais de US$ 4,2 bilhões, contra US$ 3,4 bilhões de importações. Os governos têm estreitado suas relações econômicas, culturais e comerciais, gerando expectativa de mais crescimento no intercâmbio para os próximos anos.

No entanto, as negociações entre ambos os países ainda têm seus entraves, resultantes de questões burocráticas, como os vistos de longo prazo para empresários e as taxas antidumping aplicadas pelo Brasil aos produtos de exportação da Índia. O protecionismo de lado a lado sempre existirá. Entretanto, temos que buscar soluções, ainda que provisórias, para ampliar esta relação bilateral. Ao médio e longo prazo, as verdadeiras oportunidades estão em estabelecer joint ventures ou parcerias, pelas quais poderemos ser efetivamente "players" internacionais. A Índia está com um programa de investimento de US$ 1 trilhão para os próximos cinco anos e será um grave erro se mais uma vez não soubermos aproveitar essa oportunidade.

Em contrapartida, empresários brasileiros ligados ao setor de varejo e alimentos adiaram a entrada no mercado indiano. Muitos deles dizem que a infraestrutura desses segmentos ainda é indesejável. Até pouco tempo atrás não havia supermercados e nem shopping centers, como os que conhecemos aqui no Brasil.

Na Índia, ao contrário da população brasileira que está concentrada em áreas urbanas, 68% dos seus mais de 1,2 bilhão de habitantes moram no campo. Esse quadro agrava-se com o imenso gargalo no setor energético, o que dificulta a logística e o transporte de produtos, telecomunicações e iluminação em áreas distantes das capitais.

A renda per capita indiana é consideravelmente baixa por conta do tamanho populacional, o segundo maior do mundo. Apesar disso, o país asiático tem 300 milhões de pessoas com alto nível de consumo, o que desperta simpatia do empresariado e governo brasileiros.

Por isso, o comércio entre os dois países deve ultrapassar a taxa média de crescimento de 35% ao ano. O objetivo é dobrá-lo. Mesmo com a balança comercial favorável, o país asiático quer fortalecer ainda mais seus negócios com o Brasil em diversos segmentos. Uma das principais necessidades da Índia e que revela o grande interesse pelo Brasil é a alimentação. Os governos querem reforçar a cooperação, especialmente, em agronegócio. Do lado indiano, o interesse é por processamento de alimentos, autopeças, infraestrutura; e do lado brasileiro, ciência e tecnologia, infraestrutura, principalmente na área de logística, com destaque para o pré-sal, Copa do mundo de 2014 e Olimpíada do Rio em 2016.

As relações bilaterais entre Índia e Brasil ainda devem fazer progressos notáveis na gestão da presidente Dilma Rousseff. Com enormes complementaridades e situações sócio-econômicas similares, há um grande escopo para projetos de cooperação. O empresariado já tem percebido grandes oportunidades em joint ventures e parcerias com empresas indianas, como as firmadas pela Marcopolo, Gerdau, Embraer e Weg.

No entanto, o brasileiro não tem mentalidade global, assim como tem o indiano vocação internacional. Por uma questão cultural, o brasileiro é tímido para projetar-se no exterior, protege-se contra investimentos estrangeiros e custa para expandir suas operações. As empresas indianas, ao contrário, não limitam sua atuação ao mercado interno. Elas almejam ser as melhores do mundo em seus setores. O grupo Tata, por exemplo, tem operações em siderurgia, eletricidade, telecomunicações, tecnologia, indústria automobilística e produção de chá, estando presente em mais de 40 países em cinco continentes.

Outro ponto negativo nas empresas brasileiras é a estratégia de inovação. O ciclo de renovação não está arraigado no cerne das companhias nacionais; não é tradição aqui no país. As marcas e patentes, por exemplo, são muito mais fortes na Índia.

Por isso, a colaboração mútua é importante para ambas as nações. Dentre os principais produtos importados do Brasil pela Índia estão o petróleo, óleo de soja e aviões. As exportações são, principalmente, de óleo diesel, fios de algodão e poliéster, combustível para aviação e vacinas. Nossas áreas de cooperação tecnológica também são extremamente atraentes, indo de produtos farmacêuticos a informática, espaço e energia. Por isso, os países podem apresentar uma variedade de cesta de bens, não apenas para seus próprios mercados, mas que seja interessante para terceiros.