Título: Ideia de alta maior da Selic agita mercados
Autor: Pinto, Lucinda; Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2011, Finanças, p. C3

A possibilidade de o Banco Central aumentar a dose de aperto monetário na reunião do Copom da próxima semana provocou uma forte movimentação no mercado de renda fixa ontem. Os juros futuros de curto prazo dispararam e passaram a embutir em seus preços uma probabilidade de 60% de a alta da Selic ser de 0,75 ponto percentual - ante 20% na véspera. Como contrapartida, os contratos com vencimentos mais longos registraram alívio, reação compatível com a visão de que uma ação mais firme do BC agora controlará a inflação e, assim, diminuirá a necessidade de aumento de juros lá na frente. Na mesma linha, a chamada inflação implícita das NTN-Bs (títulos públicos indexados ao IPCA) caiu de forma expressiva. No papel com vencimento em 2012, por exemplo, a parte da remuneração que equivale à projeção de inflação caiu de 5,62% na quarta-feira para 5,50% ontem.

Esse movimento impactou diretamente o resultado do leilão de títulos públicos do Tesouro Nacional de ontem. A disparada das taxas dos DI de curto prazo (usadas como parâmetro para a venda dos títulos públicos) levou o Tesouro a diminuir a oferta das LTNs (papéis prefixados mais curtos) a praticamente metade do que havia sido vendido na semana anterior e, mesmo assim, nem todas as propostas foram aceitas. Da oferta de 2,750 milhões, apenas 1,935 milhão foram vendidos. Já no caso das NTN-F, com prazos mais longos, a oferta cresceu: foram 1,750 milhão de títulos, vendidos integralmente.

A correção dos preços vista ontem mostra que o mercado está se preparando para uma mudança na estratégia do Banco Central daqui para frente. E o gatilho para essa reavaliação veio da reportagem publicada pelo

Valor ontem, dando conta de que o governo já admite uma alta de 0,75 ponto da Selic, com o objetivo de recuperar credibilidade. Em tom bastante afinado, Altamir Lopes, em sabatina para ocupar o cargo de diretor de administração do BC, disse que há um descompasso entre a oferta e a demanda, que deve justificar "uma correção" de rumo por parte do BC. Na mesma direção, o chefe-adjunto do departamento econômico do BC, Túlio Maciel, disse ontem que os números do crédito de fevereiro mostram que os impactos mais significativos das medidas macroprudenciais ficaram restritos a janeiro. Por fim, deu força à correção do mercado a divulgação pelo IBGE da taxa de desemprego de 6,1% em dezembro, a menor desde 2003, confirmando que o mercado de trabalho segue bastante aquecido no Brasil.

Esse conjunto de fatores foi uma boa deixa para o mercado ampliar as fichas em um aperto mais vigoroso na semana que vem. "Até aqui, o mercado apostava de forma unânime em uma alta de 0,50 ponto na semana que vem porque o Banco Central alimentou essa aposta", afirma o tesoureiro do Banco Modal, Luiz Eduardo Portella. "Mas, na verdade, o mercado já defendia uma decisão mais firme."

A dúvida que fica entre alguns profissionais tem a ver com a comunicação do BC sobre uma eventual alteração no plano de voo. Analistas observam que, nos últimos oito anos, era comum ver o então presidente do BC, Henrique Meirelles, mudando o tom de seus discursos públicos, alertando para riscos com o objetivo de preparar o mercado para uma alteração de rota. "O comportamento tradicional do BC, quando via alteração do cenário em relação ao que havia sido transmitido nos documentos oficiais, era preparar o mercado para isso, emitindo sinais publicamente. Desta vez, o novo presidente do BC não fez isso", observa um experiente profissional que pediu para não ser identificado.

Exatamente por causa dessa ausência de comunicação, o economista-chefe do BES Investimento, Jankiel Santos, considera a aceleração da alta da Selic para 0,75 ponto possível, mas não provável. "O BC estaria mudando de postura frente à sinalização dada por ele mesmo, especialmente no que se refere ao ajuste fiscal", afirma, lembrando que uma dos principais argumentos para a manutenção do ritmo de aperto monetário era a expectativa do corte de gastos. "Não há dúvida que a elevação da Selic em 0,75 ponto teria uma grande motivação caso a decisão do BC seja mesmo conter e estancar a deterioração das expectativas inflacionárias. De toda forma, essa atitude causaria estranheza porque na última ata do Copom o BC não deu relevância às expectativas do mercado."

Para Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil, a elevação da Selic em 0,75 ponto na semana que vem não é apenas possível como salutar, principalmente se a intenção do governo for dar mesmo um choque de credibilidade total. Mas, para ele, o Copom precisaria deixar claro na ata da próxima reunião que esse choque de credibilidade significa um novo passo na condução da política monetária. Mas, para ele, acelerar a alta da Selic seria mudança de postura do BC. "Houve uma mudança do cenário inflacionário e o BC estaria, sim, se adequando a esse novo cenário", afirmou, lembrando que o IPCA-15 de janeiro mostrou que a inflação de serviços supera 8% anualizada. E, retirando o item cursos diversos e formais do cálculo, o índice já superou 11% em janeiro e fevereiro. "Isso é muito".

Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, se a possibilidade de aumento da Selic em 0,75 ponto entrou no radar é porque talvez o BC tenha começado a perceber que as medidas macroprudenciais e fiscais já tomadas e acenadas não serão suficientes. "Como o BC tem sido questionado insistentemente, a única resposta possível da instituição neste momento seria ser mais duro do que o mercado espera", afirma Vale.