Título: A defesa comercial em 2010: balanço e desafios
Autor: Goldbaum, Sergio; Nasser, Rabih A.
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2011, Opinião, p. A14

Em 2010, a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) abriu 37 novas investigações antidumping, em 23 diferentes processos, além de duas revisões. Nessa conta, os processos que agrupam vários países exportadores de um mesmo produto foram contabilizados conforme o número de países. É o recorde anual de investigações iniciadas no Brasil. Em comparação, em 2009 foram abertas nove novas investigações e nove revisões; e 2008, 24 investigações e quatro revisões.

Das 37 novas investigações, 19 foram abertas nos últimos três meses, incluindo borracha nitrílica (contra exportações de seis países diferentes), filmes PET (três países) e papel couchê leve (sete países). Além disso, e ao contrário de outros anos, não se observou concentração de investigações contra a China ou EUA: cada um desses países foi alvo de apenas quatro processos.

O número de 2010 rendeu ao Brasil uma posição de destaque nas estatísticas mundiais sobre defesa comercial. Estudo de Chad Bown para o Banco Mundial (setembro de 2010) analisou a abertura de novas investigações de barreiras temporárias ao comércio (antidumping, salvaguardas, medidas compensatórias) desde a eclosão da crise de 2008 até o segundo trimestre de 2010. No estudo de Bown, o Brasil aparece como o quarto país que mais abriu novas investigações antidumping (sem contar revisões), atrás de Índia (103 investigações), Argentina (40) e Paquistão (34), e ao lado da União Europeia (31).

Por outro lado, em 2010 foram encerradas 13 investigações, resultando em saldo anual de 24 investigações para serem concluídas em 2011. Somando-se esse número às 19 investigações em andamento herdadas de 2009, obtém-se um saldo acumulado de 45 processos em curso. Também é um recorde. O gráfico abaixo apresenta a evolução histórica da abertura e do encerramento de investigações, incluindo o saldo acumulado ao final de cada ano. Entre 1995 e 2009, a média foi de aproximadamente 20 investigações em curso (mínimo de 11 e máximo de 30). O saldo de 2010 é mais do que o dobro da média dos últimos 15 anos, e sua conclusão exigirá grande esforço por parte do Departamento de Defesa Comercial (Decom) da Secex, órgão encarregado da análise técnica para fins de aplicação de direito antidumping.

O pico de abertura de investigações em 2010 no Brasil está relacionado, entre outros fatores, aos efeitos da crise internacional. A recomendação de aplicação de medidas antidumping pelo Decom depende da constatação de três elementos em determinado período do passado: 1) exportações ao Brasil a preços inferiores aos praticados no mercado de origem (dumping); 2) dano à indústria doméstica, a partir da evolução de seu desempenho nos últimos 5 anos; e 3) relação causal entre o dumping e dano.

O último ano dos períodos considerados em boa parte dos processos em curso ainda coincide com a fase mais aguda da crise internacional (2008 e 2009), o que facilita a constatação da existência de indícios de dumping e de dano à indústria doméstica. De um lado, a crise fez com que os preços de exportação caíssem; de outro, o Brasil tornou-se destino atraente pelo vigor de sua economia e pela valorização de sua moeda. O aumento das importações a preços menores estimulou pedidos de proteção pela indústria e o aumento da participação dos importados no consumo aparente é usado como prova de dano e nexo causal.

A abertura da investigação, no entanto, não é garantia de aplicação do direito. Em vários dos casos em andamento, a atualização do período de análise pode evidenciar que não houve dumping, pois os preços nos mercados de origem caíram tanto quanto os preços de exportação; ou que o desempenho da indústria doméstica, apesar de possível retração circunstancial por conta da crise, voltou a se recuperar a partir do final de 2009, tornando questionável a existência de dano atribuível às importações.

Estes elementos terão que ser avaliados em cada caso concreto. A crescente participação das partes interessadas, com pontos de vista divergentes, torna mais complexas as investigações. Essa evolução quantitativa e qualitativa impõe um claro desafio à política de defesa comercial do novo governo. Para dar conta do estoque de investigações em curso com a qualidade e agilidade desejáveis será fundamental o aparelhamento adequado do Decom, que não conta atualmente com uma estrutura compatível com a crescente demanda pelos seus serviços.