Título: Filho de Gadafi vai de líder global a pária
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2011, Internacional, p. A13
Guy Chazan, Gregory L. White e Alexander Kolyandr The Wall Street Journal, de Londres
Apesar da fama do pai, Saif el-Islam Gadafi desfruta há muito tempo de um lugar confortável em meio à elite empresarial, política e filantrópica mundial. Ele foi escolhido como um Jovem Líder Mundiais no Fórum Econômico Mundial, em Davos, e costumava partilhar da companhia de oligarcas russos, aristocráticos banqueiros ingleses e acadêmicos respeitados.
Agora, a maioria da alta sociedade londrina o está evitando.
Os ex-seguidores se apressaram para repudiar o arquiteto de 38 anos, talvez o filho mais proeminente de Muamar Gadafi, o líder da Líbia, desde que ele apareceu na TV estatal prometendo que seu pai lutaria "até o último homem". Vídeos mais recentes o mostram discursando para partidários de Gadafi com um rifle em punho.
Acontecimentos como esses transformaram em pessoa indesejada o homem que antes era visto como um reformista moderado. A London School of Economics, onde estudou, devolveu rapidamente o dinheiro que ele tinha doado e agora está investigando-o por plágio em sua tese de doutorado.
Howard Davies, reitor da LSE, admitiu esta semana que aceitar dinheiro de Saif era um risco. "Acho que é correto dizer que esse risco foi um tiro pela culatra", disse. "Tenho vergonha disso."
O jovem Gadafi tem defendido com veemência o regime do pai. Em entrevista à Sky News, negou que a força aérea líbia tenha atacado civis que protestavam e disse que os líbios estavam unidos em suas críticas aos EUA, à ONU e ao Reino Unido. Não foi possível entrar em contato com Saif por telefone nem por meio do governo.
Saif Gadafi nasceu em Trípoli em 1972 e é o filho mais velho do ditador com sua segunda mulher. Ele estudou arquitetura. Saif criou um nicho para si como um liberal pró-ocidente, contrastando com o pai e os irmãos, mais militantes. Em 2002, ele entrou na LSE e começou a pesquisar uma tese de doutorado sobre "o papel da sociedade civil na democratização das instituições mundiais de governança".
Visto como o possível herdeiro de um país rico em petróleo, ele se tornou arroz de festa na alta sociedade britânica. Em 2008 ele se mudou para uma mansão de US$ 16,3 milhões num elegante bairro londrino. Ele fez ainda amizade com Nat Rothschild, herdeiro da lendária dinastia de banqueiros. Depois, Rothschild recebeu Saif numa festa de noivado, numa caçada de fim de semana; e no palacete da família em Corfu, na Grécia.
Uma porta-voz de Rothschild não quis comentar a amizade dos dois, informando apenas que a última vez que se encontraram foi numa festa em Davos, em janeiro.
Saif também ficou próximo do bilionário russo Oleg Deripaska, que dirige a gigante do alumínio Rusal. Ele se envolveu com os esforços da Rusal para encontrar investidores para sua abertura de capital em 2009, segundo uma pessoa próxima das discussões. A Autoridade de Investimento da Líbia, um fundo soberano, investiu US$ 300 milhões por uma fatia de 1,43% da Rusal, tornando-se um dos maiores investidores da empresa. Um porta-voz da Rusal não quis comentar e disse que Gadafi e Deripaska "se conhecem, mas não eram amigos íntimos".
Em Londres, uma fundação de caridade líbia controlada por Saif doou £ 1,5 milhão à Divisão de Pesquisa Mundial sobre Governança da LSE em 2009. Pouco depois, Saif discursou na faculdade, onde David Held, professor de ciência política, o apresentou como "alguém que busca na democracia, na sociedade civil e em valores liberais profundos o núcleo de sua inspiração". Held não quis comentar.
Mas a recente aparição de Saif na TV encerrou o namoro. Os estudantes da LSE protestaram contra as ligações com o clã Gadafi e a envergonhada faculdade anunciou que iria reconsiderar suas ligações com a Líbia "com urgência".
Saif foi expulso do clube dos Jovens Líderes Mundiais, formado por pessoas como Sergey Brin, um dos fundadores do Google, e o político indiano Rahul Gandhi. Em texto publicado num blog, David Aikman, que lidera o Fórum de Jovens Líderes Mundiais, disse que a escolha de Gadafi se baseou em seu potencial de um dia comandar um governo mais progressista. "Depois dos acontecimentos dos últimos dias na Líbia e de sua intervenção direta, ficou claro que o potencial não foi alcançado."
A condenação de Saif já se espalhou para outros setores. Um deputado britânico de oposição, Chris Bryant, disse uma semana atrás que o príncipe Andrew deveria ser demitido do cargo de embaixador comercial por causa das ligações com Gadafi. O Palácio de Buckingham não quis comentar.
Agora já surgiu um movimento para expulsá-lo de sua mansão londrina. Shaul Zadka, escritor e vizinho de Saif, lidera uma campanha para impedi-lo de voltar.
"É tão ruim quanto ter Uday Hussein [filho de Saddam] morando do meu lado" diz ele. "Na minha opinião, Saif não é nada diferente do pai." Ele disse que tem apoio dos vizinhos, embora alguns evitem declará-lo: "Eles temem acordar com um cavalo morto na cama", afirma, numa referência a uma cena de "O Poderoso Chefão".