Título: Apesar dos cortes, governo vai gastar R$ 90 bi a mais em 2011
Autor: Máximo, Luciano
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2011, Brasil, p. A6

As despesas do governo federal, em 2011, podem ser R$ 90 bilhões superiores às do ano passado, apesar do corte de R$ 50 bilhões. O valor aparece quando são comparados as despesas realmente pagas pelo Executivo no ano passado (o Orçamento real) e os limites agora autorizados para este ano.

Cálculo feito pelo Valor, com orientação de especialistas em contas públicas, revela que o gasto autorizado para este ano dos ministérios e outras áreas listados no detalhamento oficial da reprogramação orçamentária - já subtraídos os cortes - será 11,82% superior às despesas executadas em 2010, considerando apenas as despesas que entraram no corte: pessoal e encargos sociais, custeio e investimento.

Como para 2011 o próprio governo prevê expansão de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) e também de 5% para a inflação (IPCA), a redução dos dispêndios acaba perdendo o caráter contracionista, na opinião de economistas ouvidos pelo jornal.

Alexandre Schwartsman, ex-economista-chefe do banco Santander, explica que, dessa forma, o gasto público continuará estimulando a economia. E chama atenção para o risco de os cortes serem afrouxados ao longo do ano. "Se o corte não se concretizar, a expansão fiscal será ainda maior."

Nas contas de Marcos José Mendes, consultor orçamentário do Senado, o impacto do corte em proporção ao PIB será de 0,3 ponto percentual e não 1 ponto percentual, como o governo divulgou. "Pelos métodos utilizados, não se sabe qual é o tamanho efetivo do controle da despesa. Para isso, seria correto cortar o que se pretende gastar em 2011 em relação ao que foi efetivamente gasto no ano anterior, com os restos a pagar. Não dá para se basear na despesa de competência [liquidada, portanto registrada antes dos restos a pagar], o que favorece o resultado primário", explica Mendes.

O economista também critica o formato da apresentação da reprogramação orçamentária. " Os dados são excessivamente agregados e o detalhamento é insuficiente para que se possa comparar os números apresentados com os registrados oficialmente registrados no Sistema Integrado de Administração Financeira da Secretaria do Tesouro Nacional (Siafi)", diz ele.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério do Planejamento informou que o Orçamento tem dinâmica de alocação de recursos que não segue, necessariamente, os gastos do ano anterior. "Por exemplo, o Ministério da Saúde tem uma regra definida na Emenda Constitucional 29, que corrige o orçamento pela variação do PIB. Não se pode fazer uma análise generalista sem olhar as especificidades e as políticas a serem implementadas pelos órgãos", diz a nota.

Das 27 unidades orçamentárias obrigadas a reduzir gastos em 2011, 14 registram elevação das despesas previstas para este ano em relação aos valores realmente pagos em 2010, inclusive os restos a pagar, tipo de gasto contratado no ano anterior e efetivamente pago no período corrente. Mesmo sendo obrigado a reduzir despesas em R$ 3,687 bilhões, o Ministério do Planejamento, por exemplo, terá à disposição R$ 20,135 bilhões, valor que supera em quase 295% os R$ 5,109 bilhões executados pela pasta no ano anterior.

Alvo de um dos maiores cortes, de R$ 8,577 bilhões, o Ministério das Cidades ostenta um crescimento de 88,24% em seu orçamento de 2011, na comparação com o executado em 2010, com R$ 12,895 bilhões disponíveis em recursos para gastos com pessoal, custeio e investimentos. Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Fazenda e Esporte completam a lista das cinco pastas que mais ampliaram seus orçamentos em relação à execução de 2010: altas de 155%, 20% e 18%, respectivamente.

Curiosamente, apesar do aumento, o Ministério do Esporte foi bastante prejudicado pela tesoura do governo. A pasta perdeu R$ 1,521 bilhão, o que representa 62% do valor inicialmente autorizado no Projeto de Lei Orçamentária de 2011. Apesar de a pasta comandada por Orlando Silva (PCdoB) estar diretamente envolvida com os preparativos da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, analistas acreditam que o baixo índice de execução de seus projetos motivaram a redução drástica dos gastos. A média de execução orçamentária do ministério em 2010 foi de 37%. O desempenho médio do governo como um todo chegou perto de 80%.

Entre as áreas que registram queda no orçamento deste ano em relação aos desembolsos não financeiros de 2010, as cinco mais afetadas foram Turismo, Vice-Presidência, Integração Nacional, Agricultura e Comunicações.

O economista Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), acrescenta que, "invariavelmente", vários setores do governo terão que sacrificar investimentos por causa do corte. "O governo chamou tudo de gastos discricionários. O investimento do Ministério do Turismo para este ano era de R$ 2,644 bilhões, e o corte foi de R$ 3 bilhões. Como afirmar que os investimentos foram preservados?"