Título: Incerteza cresce com temor de desastre nuclear no Japão
Autor: Whitehouse, Mark; Barta, Patrick
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2011, Internacional, p. A12

As preocupações crescentes com a capacidade do Japão de conter um desastre nuclear e se recuperar rapidamente dele sacudiram o mercado e a economia mundiais ontem, um acontecimento que reflete e amplifica a recente mudança brutal nos riscos enfrentados pela recuperação mundial.

Enquanto a terceira maior economia mundial enfrentava o temor de contaminação radioativa e adotava restrições internas, como racionamento de energia, multinacionais como a BMW e a Boeing se preparavam para possíveis paralisações na cadeia de suprimento. As ações e as commodities caíram, e as moedas tiveram fortes oscilações por causa das incertezas japonesas, bem como da tensão crescente no Oriente Médio.

"De repente, o mundo se tornou mais assustador", disse Torsten Slok, economista-chefe internacional do Deutsche Bank Securities, em Nova York. "A reação dos investidores pode amplificar o impacto disso na recuperação."

Depois da queda de 10,6% ontem, o índice Nikkei da Bolsa de Tóquio acumula perda de 17,5% desde o terremoto de magnitude 9 na sexta-feira. Nos EUA, a Média Industrial Dow Jones se recuperou de um forte declínio na manhã e fechou em queda de 1,15%.

A cotação do petróleo caiu para US$ 97,18 o barril na Bolsa Mercantil de Nova York, e a do futuro do cobre caiu 4,95%, para US$ 419,10, devido à expectativa de redução na demanda japonesa. O custo do seguro da dívida do governo japonês subiu 51% em relação à semana passada, devido a dúvidas dos investidores sobre como o Japão, que já é o país desenvolvido mais endividado, vai arcar com os custos da reconstrução.

Tudo isso mostrou como o cenário econômico mundial mudou desde o início do ano, quanto a principal preocupação era que a inflação na Ásia emergente e os problemas de dívida soberana na Europa poderiam afetar uma recuperação mundial que ganhava força, liderada pela indústria. Agora, com o Japão em crise e o Oriente Médio e boa parte do Norte da África envoltos em turbulência política, economistas e executivos estão se apressando para avaliar as consequências da situação em aspectos como a produção automotiva e o preço dos semicondutores.

As más notícias se proliferaram no Japão e na Ásia ontem, deixando muitos analistas menos certos de que o Japão vai se recuperar do desastre tão rapidamente quanto esperavam. As montadoras japonesas e outras indústrias do país expandiram as paralisações por vários dias a mais, o que pode colocar em risco a entrega de produtos como os carros Prius e os chips de memória flash usados em iPhones.

Dezenas de milhares de turistas cancelaram viagens de e para o Japão. A EVA Airways, de Taiwan, informou que vai cancelar 56 voos entre o Japão e Taiwan, incluindo alguns até o fim de junho. Um forte declínio na demanda por uma commodity, a borracha, devido à expectativa de demanda menor no Japão, levou líderes regionais a convocar uma reunião de emergência para discutir a questão.

Ainda assim, muitos economistas acreditam que, a não ser que haja uma catástrofe nuclear de grandes proporções, a crise japonesa terá no fim pouco impacto sobre o crescimento global. Quando as economias avançadas sofrem desastres, o padrão normal é uma desaceleração temporária seguida de recuperação alguns meses depois, quando os gastos com a reconstrução puxam a economia.

Além disso, a participação japonesa no PIB mundial é bem menor do que no passado. A IHS Global Insight estima que o desastre possa reduzir de 0,1 a 0,2 ponto porcentual o crescimento econômico mundial este ano, seguido por um impulso similar no ano que vem.

Changyong Rhee, economista-chefe do Banco de Desenvolvimento Asiático, disse que as empresas asiáticas têm flexibilidade suficiente para se ajustar à maioria dos problemas que o Japão pode enfrentar. Muitas empresas japonesas já transferiram boa parte de sua produção para o exterior, para lugares como a Tailândia, de modo que dependem menos da produção e infraestruruta domésticas.

Ainda assim, quanto mais tempo durar a paralisação no Japão, maior será o efeito na cadeia de suprimento das indústrias mundiais. O Japão é o quarto maior exportador do mundo, respondendo por cerca de 14% das exportações de produtos automotivos e 60% das de silício, usado na fabricação de semicondutores. É um importante fornecedor de componentes avançados para os países asiáticos que se especializam na fase final de montagem de equipamentos.

A China depende do Japão para 13% de suas importações, principalmente bens de capital como máquinas e peças eletrônicas. Ontem, o preço de alguns componentes de computador subiram 10% pois as empresas, preocupadas, procuraram fazer estoques.

"Meu negócio será muito prejudicado", disse Y. T. Chong, diretor da Eita Electric, empresa da Malásia que fornece disjuntores e outros produtos para construção. Muitas da peças são feitas em duas fábricas japonesas. "Não consigo isso em nenhum outro país", disse. Ele prevê que pedidos futuros serão afetados, porque a falta de eletricidade paralisou a produção.

Na Alemanha, a BMW estuda quando pode começar a ter problemas na cadeia de suprimento, disse o diretor de compras da montadora, Herbert Diess. Embora a BMW tenha um bom estoque das peças que recebe diretamente do Japão, como caixas de câmbio, tem menos certeza da condição de fornecedores indiretos que fabricam componentes eletrônicos de telas digitais, sistemas de navegação e outros equipamentos.

A americana Boeing disse que sua produção pode ser prejudicada se a paralisação nas fábricas de peças durar várias semanas.

Embora a devastação e a perda de vidas causadas pelo terremoto e o tsunami sejam limitadas a poucas áreas do Japão, as consequências econômicas são nacionais. A logística foi seriamente prejudicada pelas restrições ao uso de rodovias para transporte de carga, bem como apagões imprevisíveis que dificultam planejar as operações.

Enquanto isso, paira a sombra da crise nuclear, que já impede muitas empresas de convocar os funcionários de volta ao trabalho.

Ressaltando a abrangência nacional do problema, a Mazda Motor informou ontem que está suspendendo todas as operações no Japão até 20 de março. A Honda Motor fechou fábricas no Japão até domingo, enquanto a Nissan Motor manterá quatro fábricas fechadas até hoje e outras duas até sexta-feira. A Toyota Motor só confirmou paralisações até hoje, o que corta a produção de veículos em 40 mil unidades. A Toyota também cancelou as horas-extras em algumas fábricas na América do Norte como precaução caso haja interrupção no fornecimento de peças.

Uma das maiores dores de cabeça, o racionamento de energia, pode durar até o fim de abril, segundo a Tokyo Electric Power. Economistas da IHS Global Insight calculam que 10% da capacidade de geração do Japão pode ficar desligada nos próximos dez meses.

A crise japonesa pode aumentar as compras de alguns produtos. Executivos da indiana Essar Steel e da estatal Steel Authority of India disseram esperar que as exportações de aço para o Japão aumentem nos próximos meses, quando o país iniciar a reconstrução. A tailandesa Thai Union Frozen Products, maior produtora de atum enlatado do mundo em faturamento, prevê que as vendas para o Japão vão aumentar por causa de danos às áreas do país onde se processam frutos do mar.

O desastre natural no Japão também deve forçar executivos do mundo inteiro a repensar seus planos de contingência e a vulnerabilidade a choques do exterior.

A oscilação das bolsas pode diminuir a confiança dos consumidores, necessária para sustentar e ampliar o crescimento. Qualquer alta no custo do governo japonês para financiar sua dívida, que já passa de 200% do PIB, pode piorar a situação fiscal que motivou o rebaixamento da nota de crédito dos títulos japoneses este ano.

O fardo extra nas finanças do Japão ocorre num momento em que os problemas de dívida na Grécia e em outros países europeus concentraram a atenção dos investidores na possibilidade de moratória de grandes países desenvolvidos. Contudo, embora o custo do seguro contra a moratória japonesa tenha subido substancialmente ontem, o rendimento dos títulos japoneses subiu apenas moderadamente.

"Não acho que podemos presumir que o mercado de renda fixa vai tirar de letra essas coisas no atual cenário fiscal", disse Maurice Obstfeld, economista da Universidade da Califórnia em Berkeley. "O problema da moratória soberana dos países ricos não estava no radar em 1995", quando o Japão enfrentou o grande terremoto em Kobe. "Mas a economia dos países ricos o colocou no radar agora."