Título: Inflação global ganha fôlego e cria expectativa com juros
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Fonte: Valor Econômico, 16/03/2011, Opinião, p. A14
Apreocupação com a inflação voltou à tona no mundo todo, depois de ter submergido durante a crise internacional. A elevação dos preços das commodities e a recuperação econômica pressionaram os índices de preços nos mercados emergentes, inicialmente, e já atingiram também as economias avançadas. A tensão no Norte da África e Oriente Médio jogou lenha na fogueira ao elevar o preço do petróleo.
A mudança de cenário foi bem captada em estudo que acaba de ser divulgado pelo Banco para Compensações Internacionais (BIS). De acordo com o estudo, a elevação do preço das commodities afetou mais os mercados emergentes porque os alimentos representam parcela maior dos gastos das famílias em que a renda per capital é menor. Os alimentos significam 30% do índice de preços ao consumidor nos mercados emergentes e apenas 13% nas economias avançadas.
Na revisão feita no início do ano do seu World Economic Outlook (WEO), o Fundo Monetário Internacional (FMI) já alertava para o risco de sobreaquecimento das economias emergentes e elevava a previsão de inflação em 2011 para esse grupo de países em 0,75 ponto para 6%. A inflação projetada para as economias avançadas, porém, havia ficado estável em relação a 2010, em 1,5%.
Mas isso foi antes da turbulência política nos países árabes. Na revisão do WEO, o FMI trabalhava com o preço do petróleo em US$ 90 o barril. Agora, o preço já supera US$ 100. Com isso, a expectativa de inflação também aumentou nas economias avançadas.
Na zona do euro, a inflação está em 2,4%, mas os preços no atacado subiram 1,5% em janeiro sobre dezembro, elevação recorde. No Reino Unido, acredita-se que a inflação vá superar a meta de 2% e se alojar ligeiramente acima de 3%. Nos Estados Unidos, a previsão para o índice de preços ao consumidor é de 1,6% a 1,7%, ligeiramente acima do 1,5% atual.
Segundo o BIS, as expectativas de curto prazo da inflação já superam o patamar anterior à crise, embora permaneçam mais baixas nas economias mais avançadas. As previsões de longo prazo se aproximam do patamar pré-crise, refletindo a confiança na ação dos bancos centrais para conter a escalada dos preços.
A reavaliação do comportamento da inflação desencadeou também a revisão da trajetória dos juros, que vai influenciar as decisões de consumo das famílias, os investimentos das empresas e as negociações de salários e preços.
Os mercados emergentes, em geral, já vinham tomando providências para domar a inflação. O Brasil começou a subir a taxa básica de juros em abril de 2010, fez novos aumentos em junho e julho e voltou a apertar o parafuso neste ano, levando o juro a 11,75%, além de ter adotado medidas macroprudenciais para conter o crédito e cortado R$ 50 bilhões em gastos do Orçamento. A China também vem aumentando os recolhimentos compulsórios dos bancos e os juros. A Coreia do Sul elevou a taxa básica em 0,25 ponto para 3% neste mês.
Apesar disso, a inflação vem superando os juros na maioria dos países, com a notória exceção do Brasil, onde a inflação está em 5,91% em doze meses e juros nas alturas. Na China é de 4,9%; e na Coreia do Sul, superou o teto de 4% e atingiu 4,5%. Entre os mercados emergentes, a situação mais preocupante é a da Índia, onde a meta de 3,5% foi amplamente superada. Os alimentos e energia subiram 10,65% e 11%, respectivamente, em fevereiro, contaminando outros preços. Com isso, o índice de atacado teve alta de 8,31% em doze meses em fevereiro.
Nas economias avançadas, a administração da política monetária é mais delicada porque pode comprometer a recuperação econômica. Um aperto monetário prematuro reavivaria o temor de deflação. No Reino Unido, três dos nove membros do comitê de política monetária defendem a alta dos juros. O presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, já dá como praticamente certa a elevação dos juros, que estão em 1%, em abril, contrariando os analistas que esperavam o aperto apenas no quarto trimestre.
Nos Estados Unidos, o momento do aperto do juro, discutido ainda ontem, vai depender da recuperação do mercado de trabalho, não se cansa de repetir o presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), Ben Bernanke.
Essas expectativas terão que ser revistas, porém, agora à luz do desastre no Japão, que deve ter impacto ainda não mensurado, mas certamente importante no crescimento e na inflação globais. O Japão, terceira maior economia do mundo, contribuiu com 6% do PIB do planeta, que deve crescer 4,5% neste ano, de acordo com o FMI, e é o terceiro maior consumidor de commodities.