Título: O balanço cambial do Brasil é sustentável?
Autor: Volpon, Tony
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2011, Opinião, p. A14

O câmbio está realmente sobrevalorizado? Frente uma apreciação de mais de 35% em relação ao dólar, a resposta óbvia parece ser que sim. Certamente isso é o que o governo brasileiro acredita, dado a recente agressividade de suas intervenções.

E talvez o governo tenha razão em estar preocupado. Apesar de todo otimismo com o Brasil, a situação atual lembra os anos 70. Nos anos 70, os preços das commodities estavam subindo, a política monetária nos países desenvolvidos estava frouxa, e a inflação começava a subir. O Brasil crescia rapidamente com forte entrada de recursos estrangeiros. Mas esse "boom" acabou de forma amarga: para finalmente domar a inflação, os EUA apertaram drasticamente sua política monetária, enxugando a liquidez global, derrubando os preços das commodities e levando o Brasil à crise da dívida externa. O governo, apesar do seu interesse político em manter os "espíritos animais" da economia em alta, tem muitas razões para se preocupar.

Mas como existem preocupantes paralelos com os anos antes da década perdida, há importantes diferenças. Diferentemente dos anos 70, hoje temos um sistema de câmbio flutuante enquanto naquela época o nosso passivo eram empréstimos denominados em moeda estrangeira, hoje a grande acumulação de passivos se dá na moeda nacional. Isso muda muito o perfil do risco que enfrentamos, e nos permite analisar a sustentabilidade dos níveis atuais da nossa moeda.

Como nossa moeda não é conversível, os fluxos cambiais devem ser registrados no Banco Central. Isso permite que o BC crie um verdadeiro "balanço cambial" para a economia brasileira, calculando os ativos dos estrangeiros no Brasil (portanto passivos para a economia) e os ativos dos brasileiros no exterior (os dados estão disponíveis no site do BC como "Posição internacional de investimento").

Essa posição patrimonial foi calculada como um passivo de US$ 657 bilhões em setembro de 2010. Como no caso de uma empresa, podemos tratar esse montante como o estoque de investimentos feitos na empresa "Brasil S.A." que deve gerar um fluxo de retornos. Mas qual a melhor medição desses retornos?

Olhando o balanço de pagamentos, vemos que a linha "serviços e rendas" gerou um fluxo negativo de US$ 70,6 bilhões em 2010. Mas esse montante, apesar de representar em parte um fluxo real de retorno sobre os investimentos estrangeiros no Brasil, não leva em conta que boa parte da renda deve estar sendo reinvestida. Como no caso de uma empresa, temos que distinguir o lucro líquido dos dividendos pagos.

Para determinar o montante de lucros sendo gerados, temos que olhar a estrutura desse passivo, e atribuir retornos esperados a cada linha desse balanço. Em recente estudo fizemos isso e chegamos à conclusão que os investimentos dos estrangeiros no Brasil no valor de US$ 1.205,7 bilhões geram um retorno estimado de mais ou menos 16,5% ao ano, enquanto os ativos estrangeiros dos brasileiros no exterior, de US$ 548 bilhões, geram um retorno de mais ou menos 6,7%. A grande diferença de retorno se deve à composição dos recursos: do lado estrangeiro temos investimentos diretos (US$ 436,9 bilhões) e investimentos em portfólio (US$ 608,5 bilhões), ambos de alta rentabilidade. Do lado brasileiro, o maior item são as reservas internacionais do Banco Central (US$ 275,2 bilhões) de baixíssimo retorno.

Essa diferença implica um retorno esperado no montante de US$ 162,8 bilhões, US$ 92,2 bilhões acima do que é apurado na balança de pagamentos.

A importância desse montante para a sustentabilidade cambial tem a ver com a necessidade da empresa "Brasil S.A." de gerar recursos em moeda forte para rentabilizar esses investimentos já que estrangeiros querem ser pagos em sua moeda. E dado o fato que o Brasil hoje tem déficit na sua conta de serviços, isso tem a ver basicamente com nossa habilidade como economia exportadora de bens (basicamente commodities) de gerar superávit comercial suficiente para sustentar esse passivo externo.

De fato, a taxa de câmbio estará em equilíbrio quando o valor presente do superávit comercial for igual ao passivo externo. Assim, se por qualquer razão o valor futuro do nosso superávit comercial cair, o câmbio sofre desvalorização que diminui nosso passivo externo em dólares.

Reconhecendo as dificuldades em calcular valores presentes, decidimos simplificar a tarefa usando o "modelo de Gordon" da teoria da precificação das empresas para capitalizar a balança comercial. Especificamente, capitalizamos o superávit esperado para 2011, de US$ 10 bilhões e calculamos que a taxa de crescimento da balança comercial teria que ser de 23% ao ano para ser compatível com a taxa de câmbio (de R$ 1,687) e o passivo externo apurado pelo BC.

Esse valor é factível, ou indicaria que estamos em uma posição insustentável? Atualmente temos não um aumento, mas uma queda de 18,6% ao ano da balança comercial, e isso com nossos termos de troca (razão entre o preço das exportações e o das importações) nos maiores valores da história.

Tal resultado parece indicar a existência de uma preocupante "bolha especulativa" cambial. Como no caso de uma bolha especulativa na bolsa, parece que estamos descontando um crescimento na renda da empresa "Brasil S.A." que é muito improvável de se concretizar no futuro.

Mas será isso verdade? Acreditamos que uma possível explicação é que o mercado esteja racionalmente descontando um forte aumento futuro no superávit comercial advindo das futuras exportações de petróleo das reservas do "pré-sal". Enquanto fica difícil prever forte crescimento em moeda estrangeira da receita vindo das nossas já grandes exportações agrícolas e de minérios, o pré-sal parece oferecer um possível incremento de exportação grande o suficiente para sustentar o nosso crescente e caro passivo externo na taxa de câmbio atual.

Mas a verdadeira boa notícia é que esse alto risco está hoje nas mãos de estrangeiros. Se o pré-sal desapontar, basta o real cair para reestabelecer o equilíbrio, impondo perdas em moeda forte nos investidores estrangeiros. Isso, afinal, é a grande e importante diferença entre hoje e os dias que antecederão a crise dos anos 80.