Título: Como dar preço a uma ameaça nuclear?
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini; Pinto, Lucinda
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2011, Finanças, p. C1

O pregão de terça-feira teve dois momentos distintos. O começo do dia foi de pânico, lembrando bem os piores dias da crise de 2008, com índices futuros de bolsas, commodities e moeda afundando, enquanto o dólar se valorizava.

Também não era para menos. Os mercados no Ocidente abriram os olhos e deram de cara com uma queda de 10,5% do índice Nikkei-225 da Bolsa de Tóquio e a confirmação de que quantidade substancial de material radioativo tinha escapado do complexo de Fukushima.

Com terremotos, o mercado sabe lidar e tem históricos de comportamento das variáveis econômicas após esses eventos. Assim como não se sabe como lidar com uma potencial catástrofe nuclear, muito menos como "dar preço" às consequências disso na economia do Japão e na economia mundial. Portanto, a primeira reação foi um "vende tudo a qualquer preço".

No decorrer do dia, os ânimos se acalmaram, mas, ainda assim, o mercado fechou o dia com uma cara um tanto feia.

As bolsas em Wall Street perderam mais de 1%, o petróleo desabou 4%, fechando na linha dos US$ 97 o barril de WTI. Já o índice de commodities CRB afundou 3,6%, maior queda diária desde novembro.

Por aqui, o mesmo quadro imperou. O dólar chegou a subir mais de 1%, antes de fechar com alta de 0,30%, a R$ 1,667. E a Bovespa caiu 2,5%, antes de fechar com queda de 0,24%.

Chamou atenção a dinâmica do mercado de juros futuros. Os contratos caminhavam para o quarto dia seguido de baixa, mas ainda pela manhã os vencimentos longos inverteram o rumo e assim ficaram até o fechamento do pregão.

Conforme notou o estrategista-chefe da CM Capital Markets, Luciano Rostagno, os dados do Caged, que mostraram abertura recorde de 280.799 postos de trabalho formais em fevereiro, serviram de gatilho para uma realização de lucros.

Cabe lembrar que a curva caiu de forma acentuada, desde a ata do Comitê de Política Monetária (Copom), que mostrou um BC propenso a um ciclo de alta de juros menor do que previsto anteriormente.

Ainda de acordo com Rostagno, o Caged mostra que o mercado de trabalho segue forte, o que traz perspectiva de demanda firme. No entanto, diz o especialista, o cenário desenhado pelo Copom não é alterado por isso.

De fato, diz Rostagno, a visão do BC de um ciclo mais curto de juros, ganha ainda mais força conforme cresce a incerteza envolvendo a economia japonesa e mundial.

Na visão do estrategista, dependendo da evolução desse quadro externo é possível que o BC não suba mais os juros. Ou seja, a Selic ficaria em 11,75%.

Mas o cenário base de Rostagno ainda é de mais uma alta de 0,5 ponto na Selic.

O contraponto a essa visão é dada pela percepção de que como o BC não sobe juros além de 12,50%, aumenta a incerteza futura. Por isso, dos prêmios nos vértices longos. Tal movimento pode se repetir a cada dado de inflação e atividade acima do previsto.

Mudando de assunto, mas nem tanto, ontem o presidente do BC, Alexandre Tombini, esteve pessoalmente reunido com economistas no Rio de Janeiro (geralmente a participação é virtual). O tom do encontro, segundo participantes, foi mais amigável do que o registrado em São Paulo. Mas os questionamentos não foram muito diferentes.

As críticas foram direcionadas à resposta do BC à inflação e às expectativas. Os agentes mostram preocupações com a inércia inflacionária, conforme a autoridade monetária parece "abandonar" a meta de 2011 e trabalhar com a convergência apenas em 2012. Cabe lembrar que o BC não fala nesses encontros.

De volta à cena externa, mais especificamente ao Japão, nem tanto as catástrofes recentes, mas a falta de organização e resposta do governo começam a colocar à prova a tradicional paciência japonesa.

A avaliação é do analista econômico da Apregoa.com, Jason Vieira, que morou e trabalhou por lá durante um ano, e mantém contato diário com os amigos que deixou por lá.

Segundo Vieira, a principal reclamação de seus conhecidos em Tóquio e outras localidades é a pouca atividade do governo em anteder a população que sofre com desabastecimentos e a demora em pedir ajuda internacional para lidar com os problemas nas usinas nucleares.

"Essa inação do governo é bastante perigosa. Esse risco político pode piorar a questão financeira", diz Vieira.

Mesmo percebendo uma queda na esperança dos japoneses (algo obtido pelo aumento nos pedidos de "rezem pelo Japão" e menos "bom dia"), Vieira aponta que conhecendo o povo japonês, a reversão do quadro atual é bastante possível no médio prazo.