Título: BC encara mais um desafio a médio prazo
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini; Pinto, Lucinda
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2011, Finanças, p. C1

O Japão é um novo elemento que poderá impor desafios à política monetária brasileira. É elevado o risco de a tragédia, provocada pelo terremoto seguido de tsunami e com contornos de desastre nuclear, dar impulso à inflação global agravando a já desorientada inflação doméstica projetada por seleto grupo de instituições em 6,3% para este ano e mais de 5% para 2012. Fica em xeque a indicação dada pelo Banco Central, na ata do Comitê de Política Monetária, de que a "eventual introdução de ações macroprudenciais pode ensejar oportunidades para que a estratégia de política monetária seja reavaliada" - o que foi entendido pelo mercado como política de juros menos agressiva. A queda atual dos preços das commodities não passa despercebida do mercado, mas não chega a despertar entusiasmo quanto a benefícios para a inflação brasileira porque é considerada de curto prazo.

"Num primeiro momento, o Japão aponta menos crescimento econômico mundial por dois trimestres, o que leva à queda das commodities. Mas, lá na frente, temos duas pressões claras sobre as commodities: a reconstrução do país e o medo da energia nuclear que pode ter efeito de substituição e pressionar outros produtos", afirma a economista-chefe do Banco Fibra, Maristella Ansanelli para quem ainda é cedo para se fazer apostas sobre tendências.

Para Monica Baumgarten de Bolle, professora da PUC-RJ, diretora da Casa das Garças e sócia-diretora da Galanto Consultoria, a queda das commodities reflete principalmente a realocação de investimentos decorrente de maior aversão ao risco. "Não fosse o Japão, o petróleo estaria disparando porque a situação piorou no Oriente Médio. A médio prazo preocupa o quanto inflacionário é o choque da tragédia no Japão. O problema das usinas nucleares é bastante grave e a maior parte das usinas japonesas vai virar sucata. O Japão vai ter que suprir sua demanda de energia por gás natural, que abastece as usinas termoelétricas do país, e o impacto sobre os preços será importante", avalia Monica.

A economista alerta que, por ora, a economia japonesa não está funcionando normalmente em função dos rodízios de blecautes, que não serão permanentes. "Quando os motores da indústria japonesa voltarem a funcionar com gás natural, será difícil ignorar o peso da terceira maior economia do mundo. A demanda por energia pode trazer impulso inflacionário e o impacto para o Brasil, que no curto prazo está circunscrito aos movimentos adversos de aversão ao risco sobre os fluxos de capitais, mudará de figura. O Brasil tem capacidade de importar inflação. Além do mais, se o cenário de inflação global impulsionada por preços de energia se configurar no médio prazo, o ônus estagflacionário para as economias maduras poderá tornar o Brasil um destino ainda mais atrativo para os recursos externos", afirma.

A economista entende que no curto prazo o fluxo mais contido de capitais deverá frear o ímpeto do governo brasileiro que se preocupa com a taxa de câmbio e está prestes a tomar medidas. "A inibição [de fluxo] no curto prazo poderá ser suplantada por um novo ímpeto de médio prazo, caso o cenário de alta dos preços de energia e estagflação nos países avançados se configure mais à frente", avalia Monica.

Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, também alerta para pressões inflacionárias entre efeitos macroeconômicos decorrentes da tragédia no Japão: queda por um ou dois trimestres do PIB japonês e dos países que vendem produtos para o Japão; alta dos preços de produtos eletrônicos, porque a produção de semicondutores/chips deverá ficar comprometida por um tempo, e aumento dos preços das commodities metálicas no segundo semestre com o esforço de reconstrução do país.

O economista-chefe da LCA vislumbra efeitos financeiros/monetários relevantes com a perspectiva de repatriação de recursos de japoneses para a reconstrução do país, bem como dos recursos das seguradoras. Além disso, a venda de títulos do Tesouro americano por investidores japoneses e seguradoras deverá pressionar para cima a estrutura a termo de juros nos EUA, com efeitos práticos de um aperto de política monetária no mercado americano.

Cristiano Souza, economista do Banco Santander, não vê na tragédia no Japão um ponto de inflexão para a economia mundial, mas relevante para o mercado financeiro internacional, movido por expectativas. "Incerteza, pessimismo e volatilidade produzem estragos. A questão é que essa tragédia ocorre num momento em que o mercado está com os nervos à flor da pele. A crise no Oriente Médio não passou. A Líbia enfrenta grandes problemas. Existem dúvidas sobre a Arábia Saudita. Portanto, o petróleo é uma interrogação. Temos também a incerteza fiscal na Europa. Essa combinação faz estragos", diz.

O tombo de 10,5% do índice Nikkei ontem não surpreende, diz Souza, porque refletiu a perspectiva de queda do PIB do Japão por alguns trimestres. "A economia japonesa requer atenção porque preocupa qual vai ser a capacidade de reconstrução do país. O esforço de reconstrução - que deverá ser feito com dinheiro público - pode ser difícil, inclusive, porque um pouco antes dessa tragédia o novo primeiro ministro estava criando um pacote fiscal com aumento de impostos e corte de gastos."

José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator e professor da FEA/USP, também alerta que toda reconstrução é feita com dinheiro público. "Nem no Japão as cidades e sua infraestrutura são privadas. E isso compreende uma vasta rede, incluindo ruas, águas, coletores de esgoto, transporte, escolas, hospitais, creches. Além da infraestrutura de transportes", explica.

Gonçalves não acredita que mobilização de investidores levará à saída de dinheiro de aplicações financeiras no Brasil. "Algum dinheiro privado pode ir para bolsas da Ásia e Austrália, as que mais se beneficiam da reconstrução. Mas a ação do Banco do Japão nos últimos dois dias contém movimentos", afirma o economista, para quem o governo japonês agiu rápido ao colocar cerca de trilhões de ienes no mercado. "Sem isso, haveria uma entrada enorme de ienes no país. Ienes que estão hoje no Brasil e em outras economias em operações de "carry trade". A implicação para o Brasil dessa iniciativa monetária do Japão está no seguinte: se o Banco do Japão não desse liquidez ao mercado, o real desvalorizaria e o iene valorizaria, o que seria ruim para o Japão e bom para o Brasil", comenta.